Um modelo que o Brasil não deve copiar
Sete meses após o decreto presidencial que instaurou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, um balanço da experiência confirma as críticas e preocupações manifestadas naquela época.
O uso do dispositivo constitucional “intervenção”, em si, é problemático: trata-se de uma medida de força, que pode ser acionada pelo Executivo federal contra governos estaduais.
Mesmo quando limitado a uma área específica da administração, como a segurança pública, o recurso retira poderes de governadores eleitos e os transfere para um interventor, que responde exclusivamente ao presidente da República.
No experimento do Rio, há um agravante: o interventor é um general do Exército. A entrega do comando da segurança pública às Forças Armadas tem sido uma aventura amarga em alguns países, além de evocar o sombrio período da ditadura militar brasileira.
Em relação aos indicadores de segurança pública, os resultados dos meses de intervenção no Rio são negativos. As mortes violentas se mantêm nos mesmos patamares altíssimos: houve uma redução de apenas 1,6% no estado, e crescimento explosivo em algumas regiões (46% na Costa Verde, por exemplo).
Os tiroteios se multiplicaram em 41%, e os roubos de rua aumentaram 1,3%. Um fator especial de preocupação é a expansão em 48% das mortes decorrentes de ação policial –em Niterói e região, o aumento foi de 90%. A escalada desses registros sugere uma orientação permissiva aos agentes nas ruas.
As 457 operações policiais monitoradas pelo Observatório da Intervenção nesses sete meses envolveram uma quantidade inédita de agentes (185 mil) e tiveram baixa produtividade: apenas 263 fuzis foram apreendidos.
A redução do crime de roubo de cargas coloca em questão a estratégia em curso. Por quanto tempo será possível sufocar assaltos, ao custo de operações estimadas em milhões de reais, sem o necessário investimento em investigação e inteligência para a desarticulação de quadrilhas de receptação?
Além dos números, o que está sob análise é o modelo da intervenção federal sob o comando do Exército. Um modelo que não criou um sistema eficiente para gerir a segurança no estado. Em vez disso, a intervenção está levando ao extremo políticas que o Rio já conhece: a abordagem dos problemas de violência e criminalidade a partir de uma lógica de guerra, baseada no uso de tropas de combate e grandes operações.
Políticas de segurança que estimulam confrontos e tiroteios resultam em sinal verde para que os agentes de segurança atirem e matem; geram cotidianos traumáticos, especialmente para os moradores das favelas; e, na prática, liberam maus policiais para a prática de chacinas.
Na Rocinha, em março, oito pessoas foram mortas por policiais; na Cidade de Deus, em maio, houve quatro vítimas; na Maré, em junho, foram seis mortos, inclusive Marcos Vinícius, de 14 anos. Essas mortes, assim como o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, continuam sem explicação e sem a punição dos responsáveis. São marcas da intervenção.
Nos sete meses sob intervenção, o Rio tem visto pouco estratégias de inteligência, diálogo com a população, cuidado com a vida nas favelas e redução das mortes como primado absoluto da segurança.
Até aqui, este é um modelo que o Rio não deve prorrogar e o Brasil não deve copiar.