Silvia Ramos, do Observatório da Intervenção, aponta que a medida não contribuiu com a segurança pública do estado
Entrevistadora: Jaqueline Deister
O aumento da violência no estado do Rio de Janeiro colocou em xeque o modelo de intervenção militar adotado para a área de segurança pública e levantou o debate sobre a estratégia mais eficiente para reduzir o índice de criminalidade e de homicídios no Rio. O Brasil de Fato conversou com a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, Silvia Ramos, sobre os principais problemas e desafios para tornar a segurança pública do estado mais eficiente.
Na avaliação de Silvia, a intervenção militar está sendo questionada também por quem está dentro das Forças Armadas. “Perceberam que entraram numa fria, que o Temer fez uma medida política que era muito mais um golpe político do que uma preocupação real com os problemas de segurança do Rio de Janeiro e entregou na mão do Exército esse abacaxi”, destaca a coordenadora do CESeC, que é o responsável pelo Observatório da Intervenção, iniciativa que monitora os impactos sociais da intervenção no estado. Confira abaixo a entrevista completa:
Brasil de Fato: O questionamento do sucesso da intervenção militar no Brasil já chegou ao próprio Exército. Recentemente o general Villas Bôas declarou, em um pronunciamento, que ‘’as Forças Armadas se sentem sozinhas e que nenhum outro setor empenha-se em modificar os baixos índices de desenvolvimento humano’’. Isso é um reconhecimento de que a intervenção não está funcionando no Rio?
Silvia Ramos: O uso deste dispositivo (intervenção) no Brasil em que o presidente da República faz uma intervenção de uma área em um estado e, no caso do Rio, foi na área da segurança pública e nomeou um oficial das Forças Armadas para comandar a segurança pública acima do próprio governador eleito, tem sido questionado em muitos aspectos. Atualmente, há muitos militares das Forças Armadas, como o general Villas Bôas que declarou que eles estão isolados e nenhum setor se empenha em conjunto com a intervenção. Verificamos que esse modelo está sendo questionado por oficiais das Forças Armadas que percebem que entraram numa fria, que o Temer fez uma medida política que era muito mais um golpe político do que uma preocupação real com os problemas de segurança do Rio de Janeiro e entregou na mão do Exército esse abacaxi e as Forças Armadas não tinham planejamento e nem recurso e agora estão penando por terem aceito essa jogada política em um ano de eleição, num governo em fim de carreira e que tem poucos meses pela frente.
Segundo o levantamento apresentado pelo Observatório da Intervenção, após os militares assumirem a segurança pública do Rio de Janeiro, houve um aumento exponencial no número de tiroteios que saltaram de 3477 nos seis meses anteriores para 4850 nos seis meses pós-intervenção. Para a senhora, o que tem gerado esse aumento de violência?
Um dos aspectos do período de intervenção é o crescimento dos tiroteios e disparos por armas de fogo que têm sido controlados por dois métodos distintos que chegam as mesmas conclusões. O laboratório de análises chamado Fogo Cruzado e o OTT (Onde Tem Tiroteio) que é um aplicativo e programa de aviso para a população do Rio de onde está tendo tiroteio em áreas do estado e da cidade. Por esses dois sistemas distintos estamos verificando que o período de intervenção em vez de ser um momento de diminuição do sentimento de insegurança, tiroteios e tensão entre quadrilhas, milícias e a própria polícia, tem sido um momento de elevação dessa tensão. As pesquisas mostram que o maior medo da população do Rio de Janeiro, sendo o resultado de 92%, é ficar no meio do fogo cruzado ou ser vítima de bala perdida. Se esse indicador aumentou, é um péssimo dado de segurança que mostra o fracasso da política de segurança pública durante a intervenção.
As violações de direitos durante as operações das forças de segurança nas favelas cariocas são constantemente relatadas por moradores nas redes sociais. Truculência e abuso de poder por parte dos militares estão entre as principais queixas. Para a senhora, o que causa esse alto índice de violação que não é exclusivo do Exército?
As violações não têm sido exclusivas do Exército, pelo contrário, o que a gente verifica é que ações das Forças Armadas, operações conjuntas entre Exército, Polícias Militar e Civil têm levado ao extremo um tipo de prática de segurança pública que já era conhecida no Rio há muitos anos: o predomínio do tiroteio e confronto, essa prática sob a intervenção tem sido radicalizada e aprofundada. A maior evidência disso é o aumento das mortes em decorrência de intervenção policial. Os homicídios se mantêm em patamares altíssimos. As mortes decorrentes de intervenção policial aumentaram quase 40%, as chacinas que são os homicídios múltiplos aumentaram extraordinariamente e outros indicadores como tiroteios e disparo de armas de fogo aumentaram de forma absurda. No centro da política de segurança que chega ao policial na ponta que ele pode e deve fazer o confronto e o tiroteio. Esse tipo de orientação manda recado para o mau policial e é por essa razão que tivemos chacinas cometidas por policiais neste período, a primeira na Rocinha com oito mortos, a segunda na Cidade de Deus com quatro mortos e aquela operação terrível na Maré que matou seis pessoas, entre elas o jovem Marcus Vinicius de 14 anos. O que verificamos é que este tipo de acontecimento corresponde a liberação para os policiais atirarem e depois perguntarem.
Em termos práticos, qual seria o melhor caminho para a segurança pública do estado do Rio de Janeiro? Para onde o investimento deveria ser direcionado?
A violência no Rio tem solução e as coisas não estão melhorando porque as políticas de segurança usadas são erradas. É possível reduzir homicídios e mortes com políticas de segurança que priorizem a elucidação de homicídios e é emblemático que o homicídio de Marielle e Anderson complete seis meses sem elucidação e explicação, todas as chacinas que mencionei não tem elucidação, não sabemos os autores e nem sabemos se pessoas estão sendo punidas. Elucidação de homicídios múltiplos de chacinas são fundamentais para a política de segurança ter sucesso. É essencial também a redução da circulação de armas de fogo. Não adianta combater com fuzil gente que está com fuzil na mão e a população no meio.
Esse tipo de operação com até mil homens em que se trocam tiros o dia inteiro e apreendem no fim do dia duas ou três pistolas e as vezes um fuzil é tudo o que não precisamos. O Rio precisa de políticas de segurança que priorizem a interceptação de fuzis e munições e ela deve se dar fora da favela. É importante também que os policiais deem o exemplo, que se pare o tiroteio e se adotem políticas que desestimulem os criminosos a atirar como primeira opção e a primeira coisa para fazer isso é impedir que o policial chegue atirando como primeira opção. É possível sim ter política de segurança que baixe os tiroteios e os confrontos, reduza a circulação de armas de fogo e a lógica e prática das mortes como política de segurança pública.
Edição: Mariana Pitasse