Traficantes que, pouco mais de dois meses atrás, foram expulsos da favela do Rola por milicianos tentaram retomá-la
RIO – Imagens de um confronto na Zona Oeste chamaram a atenção da Corregedoria da Polícia Militar, que vai apurar se integrantes da corporação participam de uma milícia que entrou em guerra nesta segunda-feira com traficantes na Favela do Rola, em Santa Cruz. Uma reportagem do “Bom Dia Rio”, da Rede Globo, mostrou um grupo fortemente armado na comunidade, e parte dele usava trajes semelhantes ao uniforme da PM — inclusive com insígnias —, além de balaclavas. Os tiroteios deixaram um morto e quatro feridos.
O confronto teve início de madrugada, por volta das 4h30m. Traficantes que, pouco mais de dois meses atrás, foram expulsos da favela por milicianos tentaram invadi-la. A cerca de 50 metros da Rua da Colina, um dos pontos em que os bandos ficaram frente a frente, há uma base da Polícia Militar. Mesmo assim, de acordo com moradores, equipes da corporação só começaram a fazer uma operação na região depois que o dia amanheceu.
Segundo o porta-voz da PM, major Ivan Blaz, todos os baleados eram envolvidos com o crime organizado, inclusive um adolescente, que estava entre os feridos. Policiais que chegaram ao local após o confronto apreenderam dez fuzis, além de pistolas e granadas. Onze suspeitos foram detidos. Até o fim do dia, não havia sido divulgada a prisão de nenhum miliciano. Logo depois da saída da PM, paramilitares voltaram a circular pela Favela do Rola e por arredores.
“Ninguém que não more aqui pode imaginar o que estamos passando. Levei minha neta de 11 anos para debaixo de uma cama, e ela não parava de chorar.”
MORADORA DA FAVELA DO ROLA
Comunidade da Zona Oeste
A Avenida Antares, uma das principais vias da região, ficou bloqueada até as 9h30m, devido ao intenso tiroteio. Enquanto homens do 27º BPM (Santa Cruz) policiavam o entorno da Favela do Rola, equipes dos batalhões de Operações Especiais (Bope) e de Choque faziam buscas pela comunidade com o auxílio de um veículo blindado. O BRT interrompeu os serviços na Transoeste às 5h, e só retomou a circulação no fim da manhã. Três escolas não tiveram aulas.
Na Rua da Colina, vestígios do confronto podiam ser vistos por toda a parte. Balas perfuraram muros e portões de residências e de lojas. Havia muitas cápsulas de projéteis espalhadas pelo asfalto e pelas calçadas. Um Fusca teve o para-brisa perfurado; um outro carro foi atingido no capô. Dentro de uma farmácia, havia várias marcas de tiros numa parede.
— Ninguém que não more aqui pode imaginar o que estamos passando. Levei minha neta de 11 anos para debaixo de uma cama, e ela não parava de chorar. Só depois que os tiros pararam fui ver os estragos. O telhado de parte da minha casa está todo furado de balas. Meu portão também. Invadiram meu quintal durante um tiroteio, por sorte, nenhum dos meus cachorros foi atingido — disse uma moradora.
Carros roubados
Os bandidos que tentaram invadir a Favela do Rola usaram pelo menos quatro veículos. Dois deles, um Sprinter e um Spin, foram abandonados na Rua da Colina. Na Avenida Cesário de Melo, a aproximadamente dois quilômetros do principal acesso à comunidade, duas picapes com placas clonadas de cidades paulistas foram encontradas com pneus furados. Pela numeração dos chassis, a polícia descobriu que os carros foram roubados em setembro, na Tijuca.

Polícia faz operação após invasão à favela do Rola Foto: Márcia Foletto

A Favela do Rola é um antigo palco de confrontos entre milicianos e traficantes. A cientista social Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes, destacou que os tiroteios na comunidade são constantes mesmo com a intervenção federal na segurança pública do estado.
— Quem está nessa guerra não teme um coronel da PM, um investigador da Polícia Civil ou um general do Exército. O que é preciso fazer para interromper isso? A sensação é que estamos retrocedendo, voltando ao tempo da CPI das Milícias, há dez anos — lamentou a pesquisadora, uma das autoras de um relatório, recentemente divulgado, sobre a intervenção federal na segurança do Rio.
O que dizem os candidatos à presidência
Jair Bolsonaro (PSL)
O candidato à Presidência da República não respondeu às perguntas encaminhadas pelo GLOBO. Mas ele já falou sobre a questão, em outras oportunidades. Em 2008, defendeu a legalização de grupos militares. Dez anos depois, ele mudou de ideia. Este ano, Bolsonaro disse que as milícias, “que tinham plena aceitação popular”, se “desvirtuaram”.
Fernando Haddad (PT)
Sobre as milícias, o candidato afirmou, através de sua assessoria, que “a Polícia Federal vai combater sem tréguas esses grupos que atentam contra a segurança do povo e o próprio Estado de Direito”. Além de prometer rever a política de drogas, avaliou ainda que a intervenção no Rio de Janeiro “não resolveu os problemas de segurança” e, por isso, “não será mantida”.
E ao governo do estado
Wilson Witzel (PSC)
Para evitar confrontos, o ex-juiz aposta na urbanização de favelas, em investigações de lavagem de dinheiro e em ações policiais cirúrgicas. Para conter milícias, promete uma “corregedoria forte, sem interferência política”. Por fim, reafirmou que a polícia terá respaldo para “alvejar quem continuar portando armas de uso exclusivo das Forças Armadas, em especial fuzis”.
Eduardo Paes (DEM)
O ex-prefeito do Rio promete se antecipar a disputas entre milicianos e traficantes com “inteligência”. Caso isso não ocorra, diz, será empregada “uma tropa imensa”, com ajuda das Forças Armadas, para conter o confronto. O combate aos paramilitares será feito por uma corregedoria “com recursos” e independente, ligada diretamente ao governador.

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