Intervenção ignorou questões estruturais da segurança no Rio, diz especialista

ASSOCIATED PRESS

Para coordenador do Observatório da Intervenção, legado da operação é pequeno frente ao investimento.

O Rio de Janeiro viveu por 10 meses sob uma intervenção federal na área da segurança pública com o objetivo de reduzir a criminalidade no estado.

A operação chegou ao fim na última quinta-feira (27) e, para Pablo Nunes, cientista político e coordenador de pesquisa do Observatório da Intervenção, os resultados são muito pequenos para serem comemorados.

“Basta ir em qualquer delegacia do Rio de Janeiro para verificar qual foi o legado. O que a gente vê é um cenário em que o que foi feito na segurança pública do Rio não foi nenhuma novidade”, afirma.

O general Walter Braga Netto, responsável pela operação, afirmou, durante a cerimônia que marcou oficialmente o fim da intervenção federal, que o grupo “cumpriu a missão”.

De acordo com Nunes, no entanto, a intervenção não foi capaz de trazer soluções para problemas estruturais do Rio de Janeiro, apesar de ter reduzido índices de crimes contra o patrimônio, como os roubos de cargas, e de homicídios no estado.

“Eles utilizaram largos efetivos das polícias militares e civis, como também das forças armadas, em operações. Essas operações eram imensas e com pouca efetividade.”

Se você for num batalhão, você vê que o controle de armas e munições é feito no papel, enquanto em outros estados você tem sistemas informatizados e isso permite um maior controle do armamento e o combate aos desvios, que a gente sabe que acontecem.

 – Pablo Nunes, coordenador do Observatório da Intervenção

Dados monitorados pelo Instituto de Segurança Pública fluminense e obtidos pelo jornal O Globo mostraram que a operação ajudou a reduzir 8 dos 12 tipos de roubos analisados – o principal deles, o roubo de cargas, teve uma queda de 19,58%.

Para o especialista, a redução nas taxas de roubos são “índices de conveniência” e a falta de investimento em operações de inteligência traz insegurança sobre o cenário da segurança pública nos próximos anos no estado.

O período também ficará marcado como o de maior número de mortes causadas pela polícia no Rio de Janeiro. Segundo o Instituto de Segurança Pública, de janeiro até novembro, foram registradas 1.444 mortes durante os confrontos com forças do estado, um aumento de 38,6% quando comparado ao mesmo período no ano passado.

“Não temos acesso aos inquéritos dos processos, portanto não há como julgar o quanto dessas mortes foi em legítima defesa do policial ou a quantidade de execuções e mortes de civis que estão envolvidas. Essa investigação é muito difícil porque, nesses casos, a fala do policial é a maior prova da ocorrência”, explica Nunes.

Veja os destaques da entrevista.

HuffPost Brasil: De acordo com o general Walter Braga Netto, a intervenção federal cumpriu a sua missão no Rio de Janeiro. Qual é o legado da operação para a segurança pública do estado?

Pablo Nunes: A gente ouviu essa fala da mesma forma como a gente tem escutado as outras falas durante todo esse ano, com preocupação. Qualquer pessoa que acompanha minimamente a crise da segurança pública do Rio de Janeiro consegue ver que as modificações foram muito pequenas ao longo desses 10 meses. Alguns índices de criminalidade, principalmente os relacionados aos crimes contra o patrimônio, diminuíram. Mas a infraestrutura e a própria articulação entre as polícias e os sistemas continuam sucateados.

Basta ir em qualquer delegacia do Rio de Janeiro para verificar qual foi o legado. São delegacias sem pessoal. Na polícia militar, continuamos com os mesmos problemas no que se refere a informatização dos batalhões. Se você for num batalhão, você vê que o controle de armas e munições é feito no papel, enquanto em outros estados você tem sistemas informatizados e isso permite um maior controle do armamento e o combate aos desvios, que a gente sabe que acontecem.

A gente não consegue enxergar o cenário tal qual o general pinta. O que a gente vê é um cenário em que o que foi feito na segurança pública do Rio não foi nenhuma novidade.

De acordo com Braga Netto, a operação cumpriu os objetivos de redução dos índices de criminalidade e recuperação dos órgãos de segurança pública.

Foram medidas que já haviam sido tomadas no estado: utilização de largos efetivos das polícias militares e civis, como também das forças armadas em operações. E essas operações eram imensas, com pouca efetividade. Obviamente elas podem produzir uma redução de crimes de conveniência, que são aqueles crimes que se apropriam de um contexto para serem praticado.

Mas se não há um investimento em operações de inteligência que entendam toda a cadeia do crime, a gente não tem uma redução efetiva a longo prazo da criminalidade.

Por exemplo, o roubo de cargas foi o principal crime a ser combatido pela intervenção. A gente tem o combate das quadrilhas que fazem os roubos dos caminhões de cargas, mas a gente não tem articulado a esse combate o entendimento de quem recebe, distribuiu e compra essas cargas, por exemplo. E isso impede que essa efetividade seja prolongada.

Se não há um investimento em operações de inteligência que entendam toda a cadeia do crime, a gente não tem uma redução efetiva a longo prazo da criminalidade.

Ao analisar o mês a mês dos índices desse ano, a gente teme uma retomada do crescimento do roubo de cargas com o fim das operações corriqueiras que aconteciam dentro da intervenção.

O Instituto de Segurança Pública (ISP) fluminense monitorou os dados da intervenção e demonstrou que a operação ajudou a reduzir 8 dos 12 tipos de roubos analisados. O roubo de cargas, por exemplo, teve uma queda de 19,58%.

É muito pouco para a gente comemorar e dizer que a intervenção foi um sucesso baseado nesses crimes contra o patrimônio que tiveram essa redução. Se a gente comparar com o investimento [a operação recebeu R$ 1,2 bilhão de verba] não só financeiro, mas de efetivo de militares adicionais, a gente verifica que o que foi conquistado é muito pouco.

O ISP também contabilizou um aumento de 39% das mortes por policiais no período da intervenção. Foram 1.444 mortes contabilizadas até novembro. Esse índice é preocupante?

Obviamente. Não temos acesso aos inquéritos dos processos, portanto não há como julgar o quanto dessas mortes foi em legítima defesa do policial ou a quantidade de execuções e mortes de civis que estão envolvidas. Essa investigação é muito difícil porque, nesses casos, a fala do policial é a maior prova da ocorrência.

Aliado a esses índices, temos em nossa sociedade um discurso presente que é o do “bandido bom é o bandido morto”. Nós entendemos que a segurança pública tem que ser em defesa da vida.

O governador eleito Wilson Witzel (PSC) venceu as eleições com um discurso linha dura, principalmente em questões de segurança. Uma de suas principais propostas é excluir a Secretaria de Segurança e chegou a declarar que, se necessário, iria “cavar covas” e fazer navios-presídio para criminosos. O que o sr. espera do governo dele nessa área?

É por isso que precisamos ouvir com atenção os discursos feitos por políticos em campanha. Nós sabemos que existe um gap entre o que são as falas dele durante a campanha e o que será o governo no dia a dia. Temos tomado uma preocupação em não criticá-lo, porque ele ainda não tomou posse e não mostrou quais são as políticas que serão colocadas em campo. Mas se ele cumprir o que foi dito durante a campanha, teremos um cenário bastante complicado para qualquer cidadão no Rio de Janeiro – não só o criminoso.

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