Governador Witzel falou sobre mísseis ao se referir à Cidade de Deus. Sobre educação e saúde, nada.
O governador Wilson Witzel esteve, neste 14 de junho, na Câmara dos Vereadores de Nova Iguaçu para anunciar o programa “Segurança Presente” nos municípios da Baixada Fluminense. No discurso, ele relatou que o referido programa pode ser levado para esses municípios devido a uma parceria entre o Governo do Rio e a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Witzel aproveitou ainda para comentar sobre as imagens de uma emissora nas quais se viam homens armados transitando pela Cidade de Deus:
“O vagabundo bandido quer atalho e aí nós cidadãos não vamos aceitar isso. A nossa polícia, ela não quer matar. Mas nós não queremos ver cenas como aquelas que nós vimos, na Cidade de Deus, que, se fosse com autorização da ONU, em outros lugares do mundo, nós tínhamos autorização para mandar um míssil naquele local e explodir aquelas pessoas.”
Como se a fala não fosse motivo de espanto, o governador ainda foi aplaudido por parte da platéia. Tal discurso só é possível a partir da construção do imaginário social desse grupo, da imagem da favela como sendo o “espaço do inimigo” e seus moradores, portanto, sendo os tais “inimigos”. O filósofo Agamben definiu essa caricatura do inimigo como Homo Sacer:
“Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que ‘se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida […]]’”(AGAMBEN, 2010, p.186)
Os quase 40 mil moradores da Cidade de Deus são vítimas de uma necropolítica do Estado que, segundo Achille Mbembe, seria uma ação política centralizada na produção da morte em larga escala.
O projeto Bairro Maravilha, inaugurado em 2009 pelo então prefeito Eduardo Paes, foi o último grande investimento no bairro. Desde então, sem novos financiamentos e com problemas estruturais, a Cidade de Deus se encontra completamente abandonada pelo poder público. Esse é um nítido retrato do descaso por parte das autoridades.
Hoje, as ruas do bairro se encontram tomadas de lixo e esgoto. Muitas das lixeiras da Comlurb foram removidas, obrigando os moradores a depositarem o lixo no chão à espera de uma coleta completamente irregular, o que atrai diversos animais e provoca a proliferação de doenças. O caso mais grave é na porta da unidade de saúde Hamilton Land, onde o lixo acumulado se encontra em volumes tão grandes que impede a passagem dos pacientes.
Uma simples caminhada mostra a profundidade do problema. Nas ruas onde não se acumula lixo há vazamento de esgoto putrefato a céu aberto. Os moradores do local precisam desviar das poças horrendas que se formam.
Dito isso, dirijo-me então ao governador: antes de falar o senhor deveria pensar na educação desses jovens. A pesquisa “ Construindo Juntos”, coordenada pelos pesquisadores Viviane Salles e Ricardo Fernandes, deixa claro que o quadro educacional da região se encontra em estado de calamidade:
“2% dos moradores da Cidade de Deus entrevistados possuíam formação superior e apenas 31% concluíram o ensino médio. Outros 31% dos entrevistados tem formação completa a nível fundamental. 19% acessaram o ensino médio, mas evadiram e 35% frequentaram o ensino fundamental, mas também não concluíram. 0,50% dos entrevistados afirmaram ter acessado cursos de pós-graduação”
Ressalta-se ainda que não há nenhuma escola de ensino médio regular no bairro, pelo contrário, existe uma obra há anos abandonada pelo poder público que em 2010, durante a visita do então presidente Barack Obama ao Brasil, foi promessa de se tornar um colégio de ensino médio.
Além do mais, as escolas e creches da Cidade de Deus são vítimas constantes de disparos de armas de fogo em suas proximidades. Isso significa que crianças estão crescendo afetadas diretamente pela violência, utilizada, inclusive, nas ações do Estado na região, que costumam se dar de forma bastante ameaçadora.