Além dos dados da Bahia, levantamento analisa Pernambuco, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro e estuda como o racismo tem participação no caso. Nova política de drogas também é discutida.
Uma pesquisa realizada pela Rede de Observatórios da Segurança, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), divulgada nesta terça-feira (14), indica que a Bahia é o segundo estado que mais registrou mortes em operações policiais, feminicídios, violência contra mulher e chacinas, entre junho de 2019 e maio deste ano.
O projeto chamado “Racismo, Motor da Violência” é feito por pesquisadores dos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, e tenta entender como o racismo é visto em relação aos trabalhos de segurança pública.
O levantamento, que será apresentado em uma live às 18h desta terça [no Youtube/ CESeC], ainda traz informações sobre policiamento, violência contra a mulher, violência letal e sistema penitenciário e socioeducativo. O CESeC é uma das primeiras instituições acadêmicas integralmente dedicadas ao campo da segurança pública no Brasil.
Na Bahia, o projeto é coordenado pelo historiador Dudu Ribeiro, de 36 anos, e pela pesquisadora Luciene Santana, de 24 anos.
Os dados mostram que entre os cinco estados analisados pela Rede, a Bahia, com 260 mortes em operações policiais, ocupa o segundo lugar no ranking, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro, que registrou 483 durante o período.
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), informou que as mortes ocorridas durante confronto são investigadas pela corregedoria da instituição a que o servidor ou equipe pertence. Reforçou que o papel do policial é salvaguardar vidas, a dele e a da sociedade, e é para isso que ele é instruído, capacitado e orientado. Qualquer ação que fuja dessas premissas é fortemente condenada pela pasta.
A SSP disse ainda na nota que não tem como validar o dado apresentado sobre a porcentagem de mortes em confronto em relação ao número de ações policiais, mas adianta que o aumento no registro de revides contra a polícia tem sido observado com preocupação pela pasta, que tem reforçado o investimento em equipamentos de ponta para a proteção dos seus servidores. Por fim, a SSP destaca que tem atuado de maneira firme contra a má conduta policial, que só no último mês foi responsável pela prisão de policiais envolvidos com ações ilícitas.
O estado também registrou 281 casos de feminicídios e violências contra mulher, e também ficou em segundo lugar, dessa vez, atrás de São Paulo, que teve 492 casos.
Com 24 chacinas entre junho do ano passado e maio deste ano, a Bahia voltou a ficar na segunda posição do ranking feito pela Rede de Observatórios. O estado lidera o ranking de casos envolvendo arma de fogo por conflito interpessoal.
“Eu acho que esse é um dado significativo na distribuição de mortes de forma territorial, enquanto política de estado, que a gente chama de necropolítica. A distribuição da morte enquanto política de estado, porque a morte acontece tanto quando ocorre a violência letal e intencional, quanto também pela ausência de investimentos fortes o suficiente para manter as comunidades protegidas”, disse o coordenador Dudu Ribeiro.
“Investir na repressão mais do que investir na prevenção, por exemplo, é significativo da operação de mortes nos territórios. Fora que isso também dá um sinal da completa ineficiência do modelo que nós temos de segurança pública para oferecer proteção já que o resultado dela é a produção de, no caso das chacinas, mortes de quatro, cinco pessoas em uma única ação”.
Para Luciene Santana, que é formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), faz mestrado no pós-afro e trabalha como pesquisadora na Iniciativa Negra, o alto número de casos registrados faz a organização questionar como é realizada a segurança pública na Bahia, como acontecem com as operações e qual o nível de índice de violência envolvido nas ações.
“O número de mortes é um pouco da ponta do iceberg do problema, que ele desmembra em diversas outras coisas”, disse a pesquisadora, que é responsável pelo monitoramento dos dados.
Segundo Luciene Santana, o desafio da Iniciativa Negra é descobrir como o racismo estaria visível nesses dados.
“Uma das coisas que nós fazemos nesses indicadores são os cruzamentos com outras informações que aparecem nas notícias. Um exemplo delas é o indicador de quantas pessoas negras se envolveram nessas operações ou até mesmo o índice de feminicídio”.
Bairros periféricos e nova política de drogas
O levantamento feito pela entidade negra aponta que a maioria das ações policiais na Bahia foi feita em bairros periféricos. A dupla defende que uma nova política de drogas seja repensada, para que o volume de violência no estado diminua.
“Nós colocamos [na pesquisa] os nomes dos bairros os nomes das ruas que acontecem essas operações. Nós analisamos que alguns bairros, claro que bairros majoritariamente periféricos, eles aparecem em maior número do que bairros vistos como nobres” .
“A gente entende que essas operações policiais são realizadas em maior incidência nesses bairros específicos. É possível observar isso nos dados do Observatório”.
Para Luciene Santana, a atual política de drogas adotada pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia resulta em um grande número de pessoas mortas.
“Um indicador que chama muita atenção são os flagrantes em geral e o segundo é o tráfico de drogas. A gente observa, por exemplo, que algumas pessoas são pegas com número de drogas reduzidas e que geralmente acontecem confrontos e mortes decorrentes dessas operações”.
“A gente vê como uma grande problemática que esse policiamento é em relação a políticas de drogas, em como lidar com essa situação. Ela acaba resultando em mortes de muitas pessoas. Sobretudo de jovens negros, majoritariamente”, concluiu a análise.
O coordenador Dudu Ribeiro acredita que esse modelo usado pela SSP para conter a violência não apresenta bons resultados.
“A gente entende que o atual modelo de guerras, drogas, primeiro que não é uma guerra contra as substâncias, é uma guerra contra pessoas, contra determinadas pessoas, seus territórios e suas sociabilidades. Fora que ela demonstrou em todos os lugares do mundo que ela não funciona enquanto medida de prevenção do uso da substância, ela funciona muito mais como controle de populações. É isso que faz impactar na nossa vida cotidiana, com alto número de encarceramento da população negra, alto número de letalidade provocado pela guerra”
“A ideia de fazer uma nova política de drogas é justamente, a partir da reparação, que também está dentro desse processo da nova política de drogas, a gente desmontar a ideia de guerra e construir um processo que seja de proteção à vida e as comunidades. No sentido do uso de drogas, a via da redução de danos e riscos para o uso das substâncias”.
Métodos do trabalho
De acordo com a pesquisadora, os dados foram coletados através de análises de reportagens feitas pelos 20 portais mais acessados do estado. A baiana afirma que a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) não divulga dados atualizados nos sites oficiais do órgão, o que dificulta o trabalho de comparação.
“Nós temos uma dificuldade em relação à divulgação desses dados, porque diferentemente de outros estados da região estudados pelo Observatório, a Secretaria de Segurança Pública não faz a divulgação total desses dados. Então, nós não temos um recorte de dados atuais, oficiais do que é a segurança pública no estado da Bahia”.
Ao G1, a pesquisadora contou que a organização produziu um documento chamado “A Cor da Violência na Bahia”, que apontou que 80% dos jovens que são mortos no estado são negros.
“Essa foi uma forma que usamos para explicitar esse indicadores e mostrar que mesmo que não exista essa prova de que essas pessoas que foram mortas e presas são negras, que a gente encontra em outros dados, em outros indicadores”, contou.
“Nós acessamos nos portais online da Bahia informações sobre mais de mil operações policiais, foram 1.015, mas a gente não consegue confrontar os números oficiais porque nós não temos como confrontar esses indicadores”, concluiu.
A Secretaria da Segurança Pública informou que os dados criminais ficam disponíveis no site da instituição, exceto autos de resistência, já que durante as investigações podem mudar de tipificação. A SSP-BA destaca que, para esse tipo de informação, a imprensa pode solicitar via Assessoria de Comunicação Social (Ascom), e ONGs, institutos, entre outros órgãos de pesquisa, através da Ouvidoria (ouvidoria@ssp.ba.gov.br).