Levantamento é da Rede de Observatórios da Segurança, que atua em cinco Estados brasileiros
Leandra foi morta a tiros dentro de casa, com o filho de um ano no colo. Thayslane teve o corpo encharcado com gasolina e queimado e não resistiu aos ferimentos, que cobriram 70% da superfície corporal. As duas tinham 22 anos. Mas as histórias têm muito mais em comum do que a brutalidade com que as vidas foram tiradas tão cedo. Leandra e Thayslane tentaram se libertar, romper o ciclo de violência que viviam dentro de seus relacionamentos. Mas o ‘basta’ não foi aceito. Ambas foram assassinadas por seus companheiros. Assim como elas, 90 mulheres perderam a vida pelo fato de serem mulheres no Estado entre junho de 2019 e maio de 2020. O número é do levantamento realizado pelo Observatório da Segurança em Pernambuco e preocupa especialistas por ser o segundo maior entre os Estados acompanhados.
Além de Pernambuco, os estados da Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo são acompanhados pela Rede de Observatórios da Segurança, que levanta dados relativos a diversos tipos de violência, entre eles os crimes cometidos contra a mulher. Quando se analisam os números de feminicídio, Pernambuco fica atrás apenas de São Paulo, que registrou 175 casos no período, com uma população quase cinco vezes maior. Os dados pernambucanos superam estados como Rio de Janeiro (com 56 mortes) e Bahia (com 75), que têm população bem superior - 16,4 milhões no Rio e 15,1 milhões na Bahia, contra 9,2 milhões em Pernambuco.
O Estado também registrou 51 tentativas de feminicídio ou agressão física, 18 casos de violência sexual ou estupro, 9 homicídios, 3 mortes por bala perdida e 2 crimes de tortura contra mulheres. As principais motivações, segundo o levantamento, são brigas, términos de relacionamentos e crimes de ódio (aquele praticado contra uma pessoa por ela pertencer à determinada etnia, cor, origem, orientação sexual e, nesse caso, identidade de gênero). O mapeamento ainda apontou que a maior parte das vítimas de violência com cor de pele identificada é preta ou parda.
“A violência contra a mulher em Pernambuco está no aspecto histórico”, analisa Edna Jatobá, coordenadora-executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), que também coordena o Observatório da Segurança no Estado. Segundo ela, os dados são coletados através de notícias e mostram uma realidade diferente dos números oficias. “De junho a março, enquanto o Estado havia mapeado 51 feminicídios, o nosso levantamento havia encontrado 67, uma diferença expressiva. Será que não existem outros casos? Não é possível responder essa pergunta, mas é possível levantar o questionamento.”
Uma das explicações para a diferença dos índices está associada ao próprio entendimento do poder público. “Essa é uma tipificação nova e a contagem está sempre se aperfeiçoando. Se trata de um crime com várias especificidades, com uma estrutura voltada para o patriarcado, muito mais difícil de entender do que o homicídio”, aponta Edna Jatobá.
Gestora em exercício do Departamento da Mulher, a delegada Ana Elisa Sobreira argumenta que o crime de feminicídio se diferencia dos demais, porque faz com que a polícia trabalhe principalmente com a prevenção. “É um trabalho feito em rede, para que essa mulher possa se empoderar e romper o ciclo de violência antes que ele evolua.”
O desafio é ainda maior porque os crimes acontecem dentro de casa. “Pedimos a essa mulher que não espere. A gente tem um disque-denúncia através do 180, além da ouvidoria da Mulher do Estado (0800 281 8187).” Durante a pandemia, o Estado ampliou os crimes que podem ser denunciados via internet. “Mulheres vítimas de crime contra honra, como injúria, calúnia e difamação, ou que sofreram crimes de ameaça, cárcere privado e descumprimento de medida protetiva podem fazer a denúncia pelo site da Polícia Civil”, orienta. A medida não foi estendida aos casos de agressão e estupro porque esses precisam de laudo do IML.