O articulista Guilherme Fiuza, em seu artigo de 26 de janeiro, mostra-se indignado com o excesso de indignação dos intelectuais cariocas e com a falta de idéias e propostas para tirar o Rio da Janeiro da lama. Basta de denúncias vazias, de acusações e de imprecações, nos lembra o autor. É hora de superar o inventário das velhas mazelas e, como o saudoso Betinho, dedicarmo-nos à formulação de saídas, propostas, ações. Me parece que ele está coberto de razão: denunciar governos, ressaltar a corrupção existente na polícia e responsabilizar o jeitinho brasileiro, a esta altura, seria chover no molhado. Já foi feito à exaustão. E, apesar disso tudo, a situação não mudou. Pior: se degenerou! O preço das propinas foi reajustado para baixo, as interceptações ilegais se multiplicaram e a população parece ter se adaptado à nova realidade. Por isso, em artigo publicado no “Globo”, em 19 de janeiro deste ano, procurei convidar os(as) leitores(as) a refletir sobre o papel de toda a sociedade no agravamento desse cenário desalentador. A idéia era estimular uma polêmica saudável, que gerasse idéias produtivas e não-defensivas, que apontasse para a justa distribuição de responsabilidades e ajudasse a diluir a espessa neblina da culpa impotente e da acusação estéril. O que talvez não tenha ficado claro é que, ultimamente, certas abordagens policiais começaram a apresentar características novas, que vêm surpreendendo a todos(as), tornando difícil a distinção entre um cordial pedido de esmola, o famoso “achaque” e o assalto explícito. De todos os lados, nos chegam relatos dessas situações, graves, que mancham a imagem da corporação e contaminam o trabalho dos bons policiais. De todos os lados nos chegam, igualmente, relatos de pessoas que, obscurecidas pelo medo, pela dúvida sobre a natureza da abordagem e, também, pelo mau hábito, têm comprado sua tranqüilidade a um, dois, três ou até 100 reais.
O primeiro passo para formular propostas minimamente consistentes, para o enfrentamento da corrupção, em todas as suas dimensões, é conhecer a situação na qual se pretende intervir, tal como ela se configura no momento atual. O segundo, trazer os fatos à tona e estimular a reflexão honesta de todos nós, sobre nossas próprias práticas cotidianas, e assim amadurecer um debate sobre as alternativas racionais e eficazes para solucionar o problema da corrupção generalizada.
É justamente dessa forma que os(as) pesquisadores(as) do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) da Universidade Candido Mendes vêm trabalhando, desde o ano 2000, quando este centro foi criado: produzindo diagnósticos, elaborando propostas, dialogando com governos e com organizações parceiras, divulgando e compartilhando o conhecimento produzido, fornecendo subsídios para projetos de intervenção e para políticas públicas. Recentemente, foram concluídas duas pesquisas sobre a Polícia Militar: a primeira focaliza a abordagem policial e a segunda enfoca a presença de mulheres nos quadros da PM. Ambas deram origem a conjuntos de propostas para o aperfeiçoamento do trabalho policial e do aproveitamento do contingente feminino na corporação. A Secretaria de Segurança do Rio e a PMERJ já foram contatadas para que os resultados do projeto lhes sejam apresentados. As sugestões para as polícias femininas foram debatidas, acolhidas e aprimoradas em seminário que reuniu mulheres policiais de todo o Brasil, em dezembro de 2004. Essa é a natureza do nosso trabalho. Para citar somente mais alguns exemplos recentes, o CESeC formulou propostas para aprimorar as Ouvidorias de Polícia brasileiras, tornando-as mais eficazes e proativas. O documento está sendo analisado pelos especialistas responsáveis pelo convênio entre o governo brasileiro e União Européia. Além disso, o CESeC participou da elaboração do Projeto Pnud/Firjan de detalhamento do Plano Nacional de Segurança Pública e elaborou, a pedido da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), um plano nacional para o enfrentamento da violência de gênero, contemplando os vários níveis de intervenção (federal, estadual e municipal). Com o Grupo Cultural Afro-Reggae, desenvolveu um projeto de grande impacto na Polícia Militar de Minas Gerais, já discutido com o secretário de Segurança Pública do Rio e com perspectivas de ser aplicado neste estado, em 2005. O projeto recebeu o nome de “Juventude e Polícia” e consistiu em promover a aproximação entre jovens de comunidades pobres e policiais militares, rompendo o tradicional abismo alimentado pelos preconceitos mútuos, geradores de mais e mais violência.
Ainda sobre a corrupção policial , o CESeC, que é parte de uma aliança global, formada por organizações da Índia, Nigéria, Estados Unidos, Chile e Rússia, envolvidas com questões do sistema de justiça criminal, está elaborando um projeto multicultural para reunir e expandir o saber acumulado sobre o tema, implantar um projeto-piloto visando a redução dessas práticas e desenvolver uma pesquisa de avaliação da experiência.
A todos e todas que se interessem pelo tema da segurança pública e do sistema de justiça criminal, a equipe do CESeC terá grande prazer em apresentar seu trabalho, justo no momento em que completamos cinco anos de existência, empenhados na geração e difusão de informações, proposição de novas agendas, criação de programas e elaboração de propostas de políticas públicas.