A idéia da implantação, pelo Brasil afora, de colônias penais agrícolas sempre exerceu notável fascínio entre aqueles, especialistas ou não, que se envolvem nas discussões sobre a falência do sistema penitenciário. Nada mais equivocado do que imaginar ser esta a solução para todas as áreas e todos os presos. Na verdade, poucos conhecem a história fracassada da imensa maioria das unidades penais agrícolas do país, onde a regra é a incapacidade de produzir o suficiente para seu próprio sustento, muito menos gerar excedente para comercialização.
Inúmeras são as dificuldades enfrentadas por esse tipo de unidade penal mas, no caso do Rio de Janeiro, o perfil de nossa população prisional parece ter contribuído para o insucesso da Colônia Agrícola de Magé, criada há mais de 20 anos, que jamais prescindiu do fornecimento externo para alimentação de presos e funcionários.
A Lei de Execução Penal contempla, em seu art. 31, a obrigatoriedade do trabalho para o preso, mas acentua que as atividades laborativas devem levar em conta as aptidões e capacidade do interno. No Rio de Janeiro, os presos são, em sua grande maioria, homens e mulheres sem qualquer experiência anterior com práticas agrícolas ou intimidade com a vida no campo. Durante os anos em que dirigi o Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, a dificuldade de encontrar condenados que se adaptassem à vida em Magé era muito grande. Por vezes, a equipe dirigente buscava presos no Norte Fluminense, o que resultava em afastamento de suas famílias. Na verdade, os homens e mulheres presos no Rio de Janeiro são pessoas a quem se deve ofertar oportunidades de trabalho prisional típicas das cidades, com chances concretas de profissionalização, única forma de transformar as atividades laborativas desenvolvidas nas prisões em instrumento capaz de contribuir para a futura inserção do egresso penitenciário no mercado de trabalho, diminuindo os índices de reincidência.
Com tudo isto, não quero dizer que algumas experiências não devam ser tentadas, sobretudo na região Norte Fluminense, ou alguma outra área em que se possa, através de uma investigação criteriosa nas delegacias, detectar a presença de um número razoável de presos com potencial para o trabalho no campo. Magé, definitivamente, não foi escolha adequada para localização de uma unidade agrícola. A construção de unidades agrícolas nas regiões mencionadas contribuiria, também, para descentralizar o sistema penal e teria a vantagem adicional de manter os presos próximos de suas famílias. Contudo, não se pode ignorar possíveis reações desfavoráveis das comunidades nos municípios futuramente escolhidos. A tentativa de construir uma unidade penal na Baixada Fluminense, nos anos 80, foi inviabilizada pela intransigência da população local e, mais recentemente, outra tentativa em Vargem Alegre vem sofrendo fortes resistências.
Não obstante, o Estado do Rio de Janeiro acaba de encaminhar ao Ministério da Justiça pedido de recursos para criação de uma aldeia hortigranjeira penal, nos moldes de projeto já apreciado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, enquanto se busca a localização ideal para sua implantação. O projeto em pauta, apresentado ao Ministério da Justiça por uma firma de consultoria agrícola sediada em São Paulo, é absolutamente original e sepulta antigas e ultrapassadas concepções de colônias penais agrícolas, propondo algo novo e altamente sofisticado do ponto de vista tecnológico.
O projeto contempla a possibilidade de parceria com a iniciativa privada e utilização de técnicas agrícolas modernas, com aproveitamento do solo durante todo ano, alternando-se culturas e empregando a irrigação. O aspecto mais interessante, contudo, é o de possibilitar o desenvolvimento do senso de responsabilidade do preso, não havendo relação empregado/empregador: os presos são parceiros no empreendimento agrícola, com a garantia de uma receita líquida de três salários mínimos, podendo, eventualmente, chegar a sete salários, dependendo da época do ano e das condições climáticas.
Embora o projeto referido apresente características muito atraentes, continuo a insistir que colônias penais agrícolas, por mais sofisticadas ou rentáveis que possam vir a ser, não se constituem em referencial para pensar o sistema penitenciário como um todo. Experiências pontuais, no entanto, devem ser tentadas e o Estado do Rio de Janeiro está disposto a fazê-lo.