Você pagaria R$ 30 mil por um galo de briga, ou R$ 20 mil por dois pacotes de fradas descartáveis, ou R$ 7 mil por 12 pés de alface? Para os amantes de rinhas, aliás prática ilegal neste país, talvez um galo de briga possa até valer mais do que os R$ 30 mil. Mas, para a quase totalidade dos brasileiros, um galo de briga vale tanto quanto um frango comprado na feira do bairro. Quanto aos outros artigos, não parece haver dúvidas de que os valores são absurdos. No entanto, o furto do galo, das fraldas e dos pés de alface acabou por custar ao contribuinte os milhares de reais referidos porque os infratores envolvidos nesses furtos foram punidos com longas penas de prisão.
É razoável concluir que nossa legislação penal padece de profunda irracionalidade: além de impor ao infrator punições absolutamente desproporcionais ao delito cometido, ainda pune o contribuinte que vai ter que manter na prisão, com seus impostos, homens e mulheres que não representam qualquer ameaça concreta ao convívio social e, o que é grave, sairão da prisão piores e, aí, não mais para furtar galos, fraldas e alfaces, mas para praticar crimes muitos mais violentos.
Poder-se-ia argumentar que os exemplos acima constituem casos excepcionais e a regra não é esta. Evidente que casos absolutamente trágicos como estes não são comuns, embora eu tenha convivido com muitos deles enquanto diretora-geral do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, de 1991 a 1994, mas também é verdade que pelo menos um terço dos presos neste país cometeu crimes sem violência e poderia estar sendo punido com penas diferentes da pena de prisão.
Como membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e responsável pela coordenação técnica do último Censo Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, posso afirmar que, pelo menos, 45 mil presos no país cometeram crimes como pequenos furtos, passaram cheques sem fundo de importâncias irrisórias, fizeram uso de substância entorpecente ou praticaram delitos sem gravidade ou violência. São esses os infratores que devem ser punidos com a prestação de serviços à comunidade.
No dia 23 , foi aprovado pela Câmara dos Deputados, projeto de lei que permitirá aos juizes substituir penas de prisão de até quatro anos por penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade, nos casos de crimes sem violência. Este é apenas o começa das reformas necessárias em nossa legislação penal. Temos um longo caminho pela frente até o dia em que manteremos nas prisões unicamente os infratores violentos e perigosos.
Quanto à prestação de serviços à comunidade, a Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro, tem convênios com inúmeras entidades governamentais e não-governamentais que recebem prestadores de serviço. Segundo o dr. Marcos Belizze, titular daquela Vara, existem oito assistentes sociais encarregadas de fiscalizar os prestadores de serviços. Atualmente, são 236 pessoas executando tarefas não-remuneradas em instituições como a Associação Brasileira de Reabilitação Motora, Creches Comunitárias, Viva-Rio, Hospital Miguel Couto, Secretaria de Justiça e tantas outras. E vale registrar que, em alguns casos, mesmo terminada a obrigatoriedade da prestação de serviços, há quem continue a trabalhar como voluntário e até como contratado nessas instituições.
A despeito do esforço do governo estadual que criou, nos últimos dois anos, mais de 2 mil novas vagas no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, ainda falta espaço para abrigar, pelo menos, os já condenados que se amontoam em condições desumanas nos xadrezes das delegacias. No entanto, se falta lugar no Sistema Penitenciário, sobram 224 vagas em instituições dispostas a receberem prestadores de serviços.
Urge reconhecer, de uma vez por todas, que a pena de prisão é muito cara para ser usada indiscriminadamente(no Estado do Rio de Janeiro o custo mensal de um preso é de R$ 548,00); reproduz a violência (pesquisas demonstram que, quanto maior a pena de prisão, maior a reincidência e que egressos penitenciários reincidem muito mais do que aqueles punidos com prestação de serviços à comunidade): e não detém o crime (já se provou que um aumento de 25% na taxa de encarceramento reduz em 1% a taxa de criminalidade, ou seja, a relação custo benefício é desfavorável à pena de prisão como instrumento de controle social).
Definitivamente, países como o Brasil, onde a massa de miseráveis que mal sobrevive ao cerco da fome se conta aos milhões, não podem se dar ao luxo de manter na prisão quem não é perigoso e violento. Para estes infratores, a prestação de serviços à comunidade é a punição sociologicamente correta e economicamente adequada.