Quem acredita em pena de morte?

Os resultados das últimas eleições, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, trouxeram algumas surpresas interessantes e dignas de análise.

Dois candidatos utilizaram explicitamente a defesa da pena de morte como principal plataforma eleitoral: um candidato a deputado federal (general Cerqueira) e um candidato a deputado estadual (Sivuca). Havia outro candidato a deputado federal (Jair Bolsonaro) que, embora utilizasse a pena de morte e a prisão perpétua como elementos de sua retórica de campanha, demonstrava multo mais preocupação em defender os interesses dos militares, categoria que representa.

Desses três, dois foram eleitos: Sivuca e Bolsonaro. Levando em conta que este último não elegeu a pena de morte como instrumento principal de atração do voto do eleitor, vamos analisar os casos daqueles que, de fato, fizeram da bandeira da pena de morte, do bandido bom é bandido morto seu mote de campanha.

O general Cerqueira teve 26.291 votos e foi o 15º colocado entre os candidatos à Câmara dos Deputados pelo PSDB, não atingido o número de votos necessários para ser eleito.

Sivuca elegeu-se deputado estadual com 21.717 votos, sendo o quinto e último colocado entre os candidatos eleitos pelo PPB para a Assembléia Legislativa do estado.

O que importa para esta análise é o seguinte: o resultado final das eleições no Estado do Rio de Janeiro indicou que os dois candidatos que privilegiaram a pena de morte em sua plataforma eleitoral totalizaram, em conjunto, exatamente 48.008 votos, dos cerca de sete milhões de votos válidos. Em termos percentuais, 48.008 significam 0,6% dos votos válidos.

Se considerarmos que os eleitores de um votaram também no outro, seria possível dizer que o tamanho do eleitorado que demonstrou com absoluta convicção sua crença na pena de morte, como estratégia de combate à criminalidade, está entre 21 mil e 26 mil. Se, por outro lado, inferirmos que foram diferentes os eleitores que votaram num e noutro, o tamanho deste eleitorado pode chegar a 48 mil.

É legitimo supor que a parcela da população que apóia a pena de morte seja muito maior, e certamente deve ser, se levados em conta resultados de pesquisas de opinião pública. Mas significativo é o fato de que a pena de morte não sela um tema que os eleitores priorizam, quando decidem quem irá representá-los em Brasília ou na Assembléia Legislativa estadual. Se houvesse uma convicção muito mais clara em torno desta questão, os resultados da contagem de votos teriam sido muito diferentes.

Afinal, o que é a pena de morte e para que serve? Antes de mais nada, a pena de morte, chancelada pelo Estado, não passa de um assassinato a sangue-frio, premeditado e concretizado segundo rituais freqüentemente degradantes.

Para os que ainda têm dúvidas sobre a eficácia da pena de morte como instrumento inibidor da criminalidade, alguns números são dignos de nota:

Nos Estados Unidos, país que utiliza a pena de morte, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, em 1995, 101, pelo menos quatro vezes maior do que aquela registrada em países da Europa Ocidental que não empregam esta punição;

Os estados norte-americanos que utilizam a pena de morte não apresentam taxas de homicídios mais baixas, se comparadas aos estados que ainda a impõem;

Embora os Estados Unidos estejam entre um número muito pequeno de países que condenam à morte jovens menores de 18 anos, relatório de seu Departamento de Justiça informou que, entre 1985 e 1991, o número de Jovens presos, com 13 e 14 anos, acusados de homicídio, cresceu 140%. Entre jovens de 15 anos, o crescimento foi de 217%;

Entre 1952 e 1967 a Califórnia executou, em média, seis infratores por ano e sua taxa de homicídios cresceu, no período,10%. Entre 1967 e 1991 não houve execuções na Califórnia e a taxa de homicídios cresceu 4,8%;

No Canadá, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes foi de 3,09 em 1975, um ano antes da abolição da pena de morte naquele país. Em 1993 a mesma taxa foi de 2,19, ou seja, 27% menor do que em 1975.

Por outro lado, o caráter discriminatório e irreversível da pena de morte não pode ser ignorado. Nos Estados Unidos, por exemplo, já se verificou o seguinte:

Entre 1930 e 1940, 4.016 pessoas foram executadas e, dessas 53% eram negras, embora ao longo desses anos a população de negros daquele pais totalizasse apenas 12%;

A pena de morte é muito mais utilizada em casos nos quais a vítima é branca e o acusado é negro do que vice-versa;

Um estudo da Universidade de Stanford demonstrou que 350 das condenações à morte, ao longo deste século, referiam-se a casos em que mais tarde se provou serem os condenados inocentes. Destes 350 inocentes, 25 executados.

Aliás, a discussão do caráter discriminatório da pena de morte sugere outro nível de análise. Nunca é demais lembrar que, no Brasil, a pena de morte já faz parte do cotidiano das camadas mais desprivilegiadas de nossa população, tanto no campo quanto nas cidades. Os assassinatos e chacinas resultantes da ação de matadores de aluguel e esquadrões da morte, paramilitares ou não, constituem uma vergonha nacional.

Instituir a pena de morte é legitimar ações desse tipo. Instituir a pena de morte é oficializar uma reação emocional de vingança. Instituir a pena de morte é consagrar a inutilidade do valor da vida.

Está mais do que provado que a pena de morte não serve para deter o crime. É uma medida irreversível que pode ser usada contra inocentes, além de ser discriminatória e preferencialmente usada contra minorias. Só quem acredita em propostas de controle da criminalidade mágicas e demagógicas vê na pena de morte um instrumento eficaz nessa luta.

E, ao que parece, o eleitorado fluminense demonstrou estar mais interessado em outros temas. Que se cuidem os futuros candidatos: a defesa da pena de morte já não é suficiente para garantir-lhes uma cadeira na Câmara dos Deputados.

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