Após dois longos anos de tramitação no Congresso Nacional, foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, nesta semana, a legislação que amplia a abrangência das chamadas alternativas à pena de prisão e que tem origem nos trabalhos desenvolvidos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Considerando-se o que já se pratica em outros países, há muitos anos, estamos agora de fato, começando a encarar com seriedade a absoluta urgência de reservarmos as prisões para infratores violentos e perigosos.
Com a nova legislação, os juízes poderão substituir penas de prisão de até quatro anos, desde que o crime não implique violência contra a pessoa e o infrator não seja reincidente, por penas alternativas como a prestação de serviços à comunidade, a indenização à vítima e seus dependentes e a perda de bens e valores, entre outras.
Portanto, a nova legislação tem limites muito claros e não pode ser, de modo algum, considerada estímulo à criminalidade.
Muito ao contrário, o que se está é querendo dizer que, para o infrator primário que não é violento, uma penha de prisão seria, isto sim, fator decisivo na transformação deste homem ou mulher em um criminoso pronto para cometer crimes muito mais graves.
Venho repetindo há mais de quatro anos, através de artigos na imprensa, palestras e conferências, que chegou a hora de deixarmos a hipocrisia de lado e admitirmos que as prisões jamais funcionaram como instrumento ressocialimos, elas jamais deixarão de ser reprodutoras da violência. E, mais ainda, não são leis severas e muita gente na cadeia que resolvem o problema da criminalidade.
Os Estados Unidos encarceram seus cidadãos em números muito maiores e por períodos muito mais longos do que qualquer outro país do mundo desenvolvido. No entanto, os índices americanos de criminalidade violenta são os mais altos entre os países desenvolvidos. Em 1995, os Estados Unidos tiveram taxas de encarceramento seis vezes superiores às da Europa Ocidental e, em média, três vezes mais homicídios.
Para criminólogos americanos, como Elliott Currie, autor do fantástico Crime and Punishment in America, essas diferenças dramáticas nas taxas de criminalidade violenta de países da Europa Ocidental e dos Estados Unidos estão relacionados com pobreza e desigualdade.
Um estudo comparativo, entre 18 países desenvolvidos, demonstra que, nos Estados Unidos, as crianças pobres são mais pobres e as ricas, mas ricas. E a situação vem piorando: em 1973, nos Estados Unidos, 11% das famílias com filhos menores de 18 anos eram pobres e, em 1995, esse número havia crescido para 16%. Ressalte-se que os Estados Unidos investem menos que 4% do seu Produto Interno Bruto em programas sociais, enquanto que a Inglaterra investe o dobro e os países escandinavos entre 12% e 14%.
O que importa lembrar é que, mesmo nos Estados Unidos, a nação mais rica do mundo, os recursos públicos são limitados. O crescimento geométrico da população prisional devido, principalmente, ao agravamento das penas, tem obrigado os estados americanos a diminuírem, mais ainda, seus gastos em áreas que podem contribuir para a prevenção da criminalidade.
Um país como o Brasil, que precisa realizar um esforço gigantesco para suprir minimamente as necessidades de seus milhões de miseráveis, não pode continuar encarcerando quem não representa ameaça concreta à sociedade.
A legislação recém-sancionada pelo presidente da República é o primeiro passo para evitarmos que, em futuro próximo, estejamos construindo mais prisões do que escolas. O estado da Califórnia, que dispõe de uma das mais severas legislações penais dos Estados Unidos, construiu 21 prisões desde 1984 e abriu uma única faculdade. E, em 1995, Los Angeles, famosa cidade californiana com 3,5 milhões de pessoas, teve mais homicídios do que toda a Inglaterra e País de Gales, com 50 milhões de habitantes.
Está na hora de decidirmos o caminho a escolher: queremos mais escolas ou apenas mais prisões?