124 propostas e uma promessa de R$ 3 bilhões para transformar as propostas em ação. E quem vai monitorar a implementação do Plano Nacional de Segurança Pública apresentado pelo governo federal? Somos todos responsáveis, de diferentes formas. A imprensa e o Congresso Nacional terão um papel importantíssimo neste processo e a sociedade civil organizada tem obrigação de contribuir para que as boas propostas contidas no Plano não se percam. Sobretudo, esse monitoramento deve ser realizado de uma perspectiva independente e crítica.
O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes propõe a criação de um Fórum Permanente contra a Violência e, para tanto, já obteve a adesão de especialistas de São Paulo e de Minas Gerais. No final do mês de julho realizaremos, no Rio de Janeiro, o 1º Encontro do Fórum Permanente contra a Violência para avaliar a implementação do Plano Nacional de Segurança Pública e outros encontros mensais se seguirão. Serão convidados especialistas e pesquisadores, dos diversos estados brasileiros, que se dedicam ao estudo da criminalidade, da violência e da segurança pública. Discutiremos, além das iniciativas em curso, propostas de alteração e acréscimos ao Plano.
Algumas considerações já merecem destaque. Em primeiro lugar, todos os planos terão resultados muitíssimo limitados quando se privilegiam, de forma exagerada, ações repressivas em detrimento da prevenção. Fala-se muito da queda dos índices de criminalidade verificados, nos últimos anos, em algumas das principais cidades nos Estados Unidos. Para alguns, menos informados, esta queda seria conseqüência exclusiva de investimentos na repressão.No entanto, medidas repressivas e preventivas caminharam juntas, contribuindo para a redução da criminalidade. Além disso, a economia americana vem apresentando excelente desempenho, com diminuição do desemprego, e reduziu-se o número de jovens na faixa etária dos 18 aos 25 anos, justamente aquela mais envolvida com a criminalidade violenta.
Alguns estudos da Rand Corporation, nos Estados Unidos, demonstraram as vantagens de investimentos pró-ativos ou preventivos: um milhão de dólares investido na imposição de sentenças longas a traficantes de drogas previne o consumo de doze quilos de cocaína, ao passo que o mesmo milhão investido em tratamento de dependentes químicos reduziria o uso em cem quilos; um milhão de dólares investido em prisões evita 60 crimes ao ano e a mesma quantia investida em educação de segundo grau evita 258 crimes ao ano.
O Plano Nacional de Segurança Pública, ofertado à nação pelo governo federal, privilegia, de forma muito preocupante, as ações repressivas. Inúmeros estudos de organismos internacionais indicam que a criminalidade violenta está diretamente relacionada à desigualdade na distribuição da renda. E, como se sabe, na lista dos campeões de desigualdade, o Brasil tem conseguido se manter sempre entre os primeiros lugares. Se não houver alterações nas prioridades nacionais, que produzam maiores investimentos na área social, devemos todos arquivar nossas esperanças de que, com ou sem plano, a criminalidade baixará de maneira substancial e permanente.
Sem dúvida, os investimentos nas polícias são urgentes. Não se pode continuar convivendo com uma polícia despreparada, mal treinada e técnicamente pobre. Não se pode continuar convivendo com duas polícias que não se entendem, não conseguem trabalhar integradas e com eficácia. E também não se pode continuar admitindo que policiais ganhem salários de fome, que só lhes permitem viver em favelas, ou na periferia das grandes cidades, sem qualquer possibilidade de ascensão social. Não se pode aceitar que mulheres de policiais tenham que lavar seus uniformes na pia da cozinha e secá-los dentro de casa, por medo de deixarem os vizinhos descobrirem a profissão de seus maridos.
É preciso investir, também, no controle externo das polícias, ítem que recebeu pouca atenção no Plano proposto por Brasília. O controle do uso da força pela polícia, para o qual podem contribuir as Ouvidorias, é tarefa inadiável num país que pretende reduzir níveis de criminalidade e violência dentro da legalidade. No Rio de Janeiro, um homicídio em cada dez resulta de uma ação policial. Conversando sobre isto com um professor canadense, o mesmo me dizia que no Canadá eles puseram um ponto final nas matanças de baleias após grandes manifestações da população e me perguntava porque não fazíamos o mesmo no Brasil, em relação à violência policial. Talvez, não façamos o mesmo porque a polícia, no Brasil, mata o pobre, o negro, o favelado. Ou seja, mata quem não tem poder de articulação, quem não consegue fazer ouvir sua indignação.
Entre muitos outros pontos que poderiam ser abordados está o sistema penitenciário. O Plano Nacional de Segurança Pública prevê a construção, em dois anos, de 25.000 vagas, mutirões nas penitenciárias para liberar presos com penas cumpridas e o imediato cumprimento de mandados de prisão. Se isto for feito, exatamente como proposto, teremos rebeliões diárias por todo o país.
O Sistema Penitenciário Nacional já acumula um déficit de 60.000 vagas, há milhares de mandados de prisão não cumpridos e milhares de homens e mulheres com direito a livramento condicional que continuam presos. Assim, gerar unicamente 25.000 vagas e libertar apenas presos com penas cumpridas é apostar na explosão do Sistema.
Nesta área precisamos, entre outras medidas emergenciais, reservar as prisões, que são caras, (um preso no Rio de Janeiro custa dez vezes o que custa um aluno de 1º grau na rede pública), estigmatizantes e degradantes, para o criminoso violento e perigoso que se constitui em ameaça concreta ao convívio social. Todos os outros infratores podem e devem ser punidos com penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade.
Queremos discutir estas e outras questões no âmbito do Fórum Permanente contra a Violência. Sintam-se todos que pesquisam, estudam e se interessam pela questão da segurança pública convidados para participar das futuras discussões.