À crise das polícias. que se espalha pelo país de norte a sul, tem suscitado muita reflexão e debate. Discutem-se soluções, fala-se em medidas emergenciais e. entre tantas, insiste-se na necessidade imediata da elevação dos níveis salariais das polícias civis e militares, da melhoria das condições de trabalho dos policiais, do investimento em treinamento e em aparelhamento da polícia técnica.
Sem dúvida, essas medidas são necessárias e impostergáveis. Mas a crise a que estamos assistindo tem também um outro lado: o assustador envolvimento de policiais em episódios de corrupção e violência – episódios de difícil investigação, salvo quando as vítimas se dispõem a enfrentar risco de vida para trazer a público suas denúncias.
No Rio de Janeiro, os últimos casos de policiais presos em flagrante de extorsão merecem análise. Os episódios, revoltantes pela desfaçatez com que os policiais agiram, contando com a impunidade a que estão acostumados, tiveram resultados animadores por uma razão muito simples: de um lado vítimas dispostas a denunciar; de outro, policiais honestos, dispostos a punir. Nos casos em pauta, o poder público agiu com firmeza, o que é fundamental para que a população acredite que vale a pena denunciar os maus policiais.
Ao lado da extorsão, é muito preocupante verificar o uso freqüente de violência letal por parte das polícias, assim como de torturas e espancamentos. Nesta área. a impunidade reina quase absoluta. e estratégias diferentes de controle precisam ser pensadas.
Recente decisão da Justiça americana é digna de nota. No dia 12 último, a cidade de Nova York e o seu principal sindicato de policiais foram condenados a pagar, respectivamente, as quantias de U$ 7,125 milhões e U$ 1,625 milhão como indenização a Abner Louima, torturado numa dependência policial do Brooklyn, em agosto de 1997, com um cabo de vassoura introduzido em seu ânus. É a maior quantia jamais paga pela cidade para fechar um acordo em casos de violência policial e a primeira vez que um sindicato de policiais, em qualquer lugar dos EUA, é condenado como parte do acordo. Neste caso, o sindicato foi responsabilizado por tentar encobrir o incidente, impondo o silêncio a seus associados e intimidando testemunhas.
Ao longo da década de 90, diversas cidades americanas foram condenadas a pagar indenizações milionárias a vítimas de violência policial. Apenas entre 1994 e 1996, Nova York pagou cerca de US$ 70 milhões para fechar acordos; Los Angeles, mais de US$ 79 milhões; Filadélfia, mais de US$ 32 milhões; e Detroit, cerca de US$ 92 milhões. A responsabilização das forças policiais envolve incidentes diversos: desde casos de violência letal a episódios de tortura, ou mesmo de pessoas mordidas por cães da polícia.
Estudiosos da polícia, nos Estados Unidos, admitem que as ações Judiciais que vêm condenando os governos a pagar somas substantivas a vítimas de violência policial têm contribuído decisivamente para a diminuição deste tipo de violência. Algumas cidades contrataram, nos últimos anos, especialistas independentes capazes de monitorar a violência policial e recomendar estratégias que permitam a redução do fenômeno, com a conseqüente diminuição do número de ações judiciais.
Nos Estados._Unidos, como em diversos outros países, vêm-se desenvolvendo estratégias de controle externo da polícia razoavelmente eficazes. No Brasil, as Ouvidorias de Polícia criadas em alguns estados, a partir de 1995, vêm monitorando as ações arbitrárias e ilegais cometidas por policiais, mas enfrentam dificuldades muito grandes, por uma série de limitações legais e operacionais. Assim, o próprio modelo brasileiro de controle externo da policia precisa ser repensado e, para tanto, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, com apoio da Fundação Ford, coordena no momento amplo estudo sobre as ouvidorias, objetivando analisar os entraves existentes e propor alternativas ao modelo hoje em vigor no país.
O aperfeiçoamento dos controles internos e externos da atividade policial é matéria urgentíssima. No entanto, estou convencida de que a estratégia mais eficaz para combater a violência policial é aquela que dói no bolso. Quando governantes tiverem que destinar parte de seus orçamentos para fechar acordos milionários com vítimas de violência policial, talvez as coisas mudem neste país.