Acordos na cadeia?

No último domingo, dia 22, o Jornal do Brasil publicou reportagem sobre as mortes no sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. Realizando um trabalho de investigação primoroso, o repórter Marco Antonio Martins cotejou dados obtidos junto à Secretaria de Direitos Humanos e Sistema Penitenciário com outros garimpados por ele no Instituto Médico Legal e em registros de ocorrências de delegacias.

Para sua surpresa, e de nós todos, os números oficiais não correspondiam à realidade: estavam muitíssimo subestimados. Ficamos sabendo que vem acontecendo uma morte a cada semana nas prisões do Rio de Janeiro, dado antes desconhecido até pelas autoridades da área. E, o que é pior, em sua maioria, os mortos tiveram um fim violento: esfaqueados, enforcados, espancados, mortos a tiros ou a pauladas.

Comparando-se esse quadro com o de épocas anteriores, constata-se que o nível de violência cresceu assustadoramente no sistema penitenciário fluminense. Entre março de 1991 e abril de 1994, por exemplo, aconteceram oito mortes violentas nas prisões do Rio, exatamente oito homicídios. Só é possível entender a situação do sistema penitenciário fluminense hoje, se analisarmos, pelo menos, as mudanças ocorridas ao longo dos últimos 10 anos. Para começar, aumentou consideravelmente o número de presos. De aproximadamente 9.000 presos na primeira metade dos anos 90, passamos para 18.000 homens e mulheres encarcerados nas prisões do Rio, nos dias atuais. Embora tenham sido criadas, no período, três penitenciárias e cinco casas de custódia, a geração de novas vagas não acompanhou o fluxo de entrada, devido, principalmente, à desativação de carceragens policiais. A superpopulação prisional atinge, hoje, níveis jamais vistos neste estado e, como se sabe, a superpopulação é fator determinante de aumento da violência e da tensão dentro dos muros.

E como está a segurança? Quantos custodiam os custodiados? Com 9.000 presos, o sistema penitenciário fluminense contava, em 1994, com cerca de 2.300 agentes de segurança penitenciária. Hoje, com 18.000 presos, tal número praticamente não se alterou.

Se acrescentarmos ainda o agravamento da violência na relação entre agentes e presos é possível continuar montando nosso quebra-cabeça. Para completar o quadro, é importante examinar as mudanças verificadas no perfil do preso fluminense. O Censo Penitenciário realizado pelo IBGE nas prisões do Estado do Rio de Janeiro, em 1988, constatou que 15,1 % dos presos estavam condenados por envolvimento com o tráfico de drogas.

Atualmente, segundo dados do Desipe (Departamento do Sistema Penitenciário) chega a 54,3 o percentual de presos condenados por esse motivo. Ou seja, a população carcerária inclui hoje um número muito maior de pessoas envolvidas em redes criminosas, que, trazem para dentro dos muros as lea1dades, rivalidades, rixas, dívidas e vendetas características do tráfico de drogas no mundo livre.

Como pano de fundo desse intrincado e explosivo quebra-cabeça, ainda há o problema da corrupção. Aqui, vale lembrar, novamente, matérias do Jornal do Brasil (20/02 e 20/05/2001) indicando que a aparente tranqüilidade do sistema penitenciário fluminense é garantida por um acordo firmado entre agentes de segurança penitenciária e presos: o preso se compromete a não fugir e a não se rebelar em troca de favores, como a entrada de armas, drogas e telefones celulares. Se esse acordo de fato existe, ele pode estar começando a ser rompido. As autoridades responsáveis pela área não podem, em hipótese alguma, tolerá-lo, na suposição de que, pelo menos, ele evita o mal maior das rebeliões. Os problemas aqui levantados mostram que o sistema penitenciário fluminense tomou-se uma verdadeira panela de pressão e que, se não forem tomadas providências urgentes, estaremos trilhando a passos largos, o perigoso caminho, não da roça, mas do nosso vizinho Estado de São Paulo.

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