O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) vem desenvolvendo estudos sobre as “comunidades terapêuticas” (CTs), instituições privadas destinadas a oferecer serviço de acolhimento a pessoas que fazem uso problemático de drogas. As últimas decisões do governo federal nessa área são absolutamente chocantes e deveriam encher de vergonha os proponentes das medidas recém-aprovadas.
As comunidades terapêuticas são a principal aposta do governo federal para lidar com o tema. Essas instituições, majoritariamente religiosas, recebem recursos públicos desde 2011, valendo destacar que as quantias quase quintuplicaram desde 2018, de R$ 40 milhões ao ano para R$ 193 milhões em 2021.
Além dos recursos, uma série de mecanismos burocráticos estatais tem sido acionada para impulsionar o crescimento dessas instituições. É o caso da Lei Complementar 187/21, sancionada no dia 17 pelo presidente Jair Bolsonaro, que concede imunidade tributária às CTs, aprovada em caráter de urgência, sem debate com a sociedade civil.
No dia 9 de dezembro último, foi publicado no Diário Oficial da União documento que dispensa a necessidade de licitação para convênios entre o Ministério da Cidadania e as CTs credenciadas junto ao governo. A justificativa é a “inexistência de competição” para esse tipo de serviço. O argumento, no entanto, já foi rechaçado por entidades da sociedade civil, uma vez que as CTs não são os únicos equipamentos com oferta de cuidados desse tipo.
É verdade que as CTs são, frequentemente, recurso a que famílias pobres e negras recorrem no contexto de sucateamento dos equipamentos do Sistema Único de Saúde. Isso, porém, não impede que se questione o estatuto de política pública, como forma de caracterizar essas instituições, lideradas por figuras religiosas — mais de 60% das CTs contratadas pelo poder público têm ligação com grupos cristãos. A quase totalidade das CTs depende do trabalho de voluntários, não há padrões técnicos na abordagem aos “assistidos” e, com frequência, inexiste articulação com a rede de saúde e assistência social dos territórios, como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPSad).
Ressalte-se que os CAPSad são equipamentos públicos de saúde mental e assistência que funcionam a partir de uma visão comunitária e integrada de ofertas de serviços para a construção da autonomia do usuário, como recomendam as boas práticas na área e os especialistas mais respeitados do país. Infelizmente, os CAPSad foram praticamente abandonados à própria sorte nos últimos anos.
Interessa enfatizar a necessidade de transparência e seriedade com que se deve tratar a concessão de recursos públicos. Os milhões de reais despejados nas CTs no governo Bolsonaro — na maior parte das vezes sem nenhum acompanhamento de como são geridos — precisam pelo menos passar por licitações. Quem sabe, ainda há tempo também para o Congresso reverter a absurda imunidade tributária concedida às CTs.