A aparente disposição do ex-Governador Garotinho, atual Secretário de Segurança Pública, de trabalhar de forma integrada com o governo federal é animadora. Esperemos que os bons propósitos se concretizem, porque a redução dos efeitos da combinação explosiva entre drogas e armas só acontecerá quando tivermos uma polícia atuando com inteligência. E polícia inteligente quer dizer trabalho integrado entre as várias polícias, federais, estaduais e municipais, porque o tráfico de drogas e armas se articula nacional e internacionalmente, como todos sabemos. Salta aos olhos o fracasso da política de segurança pública que privilegia o confronto, como demonstrou pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes (CESeC/UCAM), publicada em O Globo nos dias 7 e 8 de junho. Em 2002, a polícia matou 900 pessoas no Rio de Janeiro, 170 policiais fluminenses foram assassinados e, mesmo assim, aumentou a insegurança na cidade e no estado. Por outro lado, presos continuam disparando ordens das prisões e seus comandados nos morros diligentemente as obedecem.
Ao lado de iniciativas mais gerais na área da segurança pública, é preciso que também se dedique atenção aos problemas do Sistema Penitenciário, particularmente no que se refere ao trabalho prisional. É comum ouvirem-se críticas sobre a ociosidade nas prisões. O que muitos talvez não saibam é que se a Lei de Execução Penal, em vigor há quase vinte anos neste país, fosse cumprida, todos os presos trabalhariam, porque seu Art. 31 é muito claro: “O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”.
É importante destacar que, ao contrário do que pensa a maior parte da população, o preso busca o trabalho dentro dos muros. Principalmente porque, segundo a mesma Lei de Execução Penal, para cada três dias trabalhados desconta-se um dia de sua pena. No entanto, o Estado brasileiro tem sido historicamente incompetente para prover trabalho ao preso. Durante o período em que dirigi o Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (1991/1994) a geração de postos de trabalho era uma de minhas preocupações. As escassas verbas destinadas às prisões não permitiam a criação de oficinas e fomos buscar parcerias com pequenos e médios empresários. Pensei ser fácil, afinal a legislação diz que o preso deve receber por seu trabalho três quartos do salário mínimo, não é protegido pela leis trabalhistas (CLT) e não faz greve. Além disso, o pequeno e médio empresário não paga aluguel pelo espaço que ocupa na cadeia, não paga luz, não paga água nem telefone. Pois bem, depois de um trabalho de divulgação muito grande, contando com a boa vontade do então presidente da Associação Fluminense de Pequenas e Médias Empresas (FLUPEME) não foi possível atrair mais do que meia dúzia de empresários para instalar oficinas nas prisões. Talvez esteja na hora de se retomarem contatos nessa área.
É preciso, também, rever o planejamento de construção de novas unidades prisionais porque, nos últimos anos, os governantes têm destinado recursos para construção de cadeias onde não há espaço para o trabalho. Destinam verbas para geração de vagas a serem ocupadas por presos que cumprirão suas penas comendo e dormindo, sem aprender uma profissão. Que, muito provavelmente, voltarão para as ruas sem qualquer gosto pelo trabalho, que talvez nunca tenham tido, mas que era obrigação do Estado ensinar-lhes.
E, o que é pior, no Rio de Janeiro, por exemplo, o preso que não tem visita e não trabalha depende dos chamados “donos da cadeia” até para conseguir um rolo de papel higiênico ou um pedaço de sabão, o que não é distribuído pela administração prisional. E quem são os “donos da cadeia”? Hoje, basicamente, são as lideranças do tráfico de drogas. São eles que corrompem a polícia na rua, corrompem agentes de segurança penitenciária dentro dos muros e usam os presos, em geral, como massa de manobra.
Já é lugar comum dizer que o tráfico se instalou nos morros porque o Estado esteve ausente dessas comunidades. Da mesma forma, as lideranças do tráfico, uma vez presas, tornaram-se “donas das cadeias” porque o Estado também se ausentou das prisões. Retomar seu papel, nos morros e nas prisões do Rio de Janeiro, é o que se espera do Estado. E retomar seu papel implica prover, nas comunidades desprotegidas que habitam nossos morros, serviços médicos decentes, educação e policiamento. Essas comunidades também merecem, tanto quanto os moradores da zona sul da cidade, a proteção de uma polícia respeitadora dos direitos, que combata o crime sem infringir a lei.
E, nas prisões, que o Estado imponha respeito, principalmente combatendo a corrupção, a violência e proporcionando trabalho aos presos.