Certíssimo o Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, ao defender a revisão da lei dos crimes hediondos. Certo também o Ministro quando sustenta, e o faz com freqüência, que as penas alternativas devem ser mais usadas. No entanto, para que a população entenda as razões pelas quais o Ministro defende essas posições, é necessária uma ampla campanha de educação pública nesse país. Uma campanha de educação pública corajosa e esclarecedora do custo-benefício da pena de prisão, inteiramente financiada pelo governo federal, e ocupando o horário nobre dos canais de televisão.
É perfeitamente compreensível que homens e mulheres cheios de medo, principalmente nos grandes centros urbanos, venham reagindo às palavras do Ministro com a fúria que se tem visto. Só na edição de O Globo, do último dia 11 de agosto, havia sete cartas de leitores indignados com Thomaz Bastos. Todos clamando por leis mais severas e maior rigor com os criminosos, ou incomodados com o argumento de que as prisões estão superlotadas. Se o problema é esse, dizem os leitores, o que o governo está esperando para construir mais prisões?
Acontece que o problema não é esse. Aumentar a dureza das penas e construir mais cadeias simplesmente não funciona. Examinemos algumas evidências, começando pelos Estados Unidos. As leis norte-americanas estão entre as mais duras do mundo: pena de morte, prisão perpétua, three strikes (em alguns estados o cometimento de um terceiro crime, mesmo o furto de uma pizza, pode levar à prisão perpétua). Os Estados Unidos têm cerca de dois milhões de pessoas atrás das grades e quase seis milhões sob a supervisão do sistema de justiça criminal: presos, liberados condicionais e prestadores de penas alternativas. Não existe no mundo desenvolvido nada que se assemelhe ao rigor norteamericano no combate à criminalidade. Pois bem, se compararmos os índices de criminalidade violenta da Europa Ocidental com aqueles dos Estados Unidos, perceberemos que os norteamericanos vivem em cidades muito mais inseguras do que os europeus. E os países europeus ocidentais, além de não terem pena de morte, prendem, em média, cinco vezes menos do que os Estados Unidos.
Os Estados Unidos investiram, em 2003, na chamada “guerra contra as drogas”, 40 bilhões de dólares — grande parte deles para financiar o sistema penitenciário, entupido de pequenos traficantes. E as autoridades, que lidam com o problema no país, são as primeiras a reconhecer que nunca as drogas estiveram tão puras, tão acessíveis e tão baratas. O próprio diretor do DEA (Drug Enforcement Agency) admitiu, recentemente, que o Plano Colômbia está fracassando, a despeito dos bilhões de dólares aí investidos para acabar com a produção de coca naquele país sul-americano.
E no Brasil? O que acontece? O que dizem os números da criminalidade? Que impacto teve a lei dos crimes hediondos que data de 1990? Ora, basta verificar o que vem ocorrendo no terreno do tráfico de drogas, um dos “crimes hediondos”. No Rio de Janeiro, por exemplo, verificaram-se 394 registros de tráfico de entorpecentes em 1991 e, em 1999 (último ano para o qual há informação disponível), houve 2.906 registros para o mesmo crime. Em São Paulo, foram 7.367 ocorrências de tráfico em 1996 e 13.935 em 2003: um acréscimo de 89%.
Quanto aos seqüestros, a Polícia paulista registrou 12 em 1996 e 118 em 2003: um aumento de mais de 800%! É verdade que, no Rio de Janeiro, o número de extorsões mediante seqüestro caiu muito desde 1995, o que, para alguns, poderia servir de demonstração de eficácia da lei. Mas será que ninguém se lembra do que disse o delegado Hélio Luz ao assumir, naquele ano, a Divisão Anti-Seqüestro da Polícia Civil? Ele disse, com todas as letras, para quem quisesse ouvir: “a partir de hoje a Anti-Seqüestro não seqüestra mais”. Ou seja, não é porque a lei fosse frouxa, mas porque havia policiais envolvidos com as quadrilhas de seqüestradores que as investigações não caminhavam e os crimes aumentavam a cada dia.
Está na hora de encararmos uma discussão séria sobre a legislação penal que temos, suas vantagens e desvantagens. É responsabilidade do governo federal esclarecer a população sobre o custo-benefício da pena de prisão e mostrar que se enganam os que acreditam que leis duras e encarceramento crescente controlam a criminalidade. A luta contra a violência e a criminalidade passa, sim, pela derrota da monstruosa desigualdade social nesse país. E, a curtíssimo prazo, passa, também, por uma polícia comprometida com a legalidade, bem treinada e bem paga. E, passa, sobretudo no momento em que vivemos, por programas de prevenção articulados entre os vários níveis governamentais e pela determinação do governo federal de assumir, definitivamente, sua parcela de responsabilidade na área da segurança pública.