Ao Brasil não faltam leis. Falta disposição para aplicá-las. Ao Brasil não faltam planos. Falta disposição para fazê-los sair do papel. O capítulo 10 do Plano Nacional de Segurança Pública, defendido por Lula durante a campanha, intitula-se “Sistema Penitenciário” e começa com a seguinte afirmativa: “No estado democrático de direito é imprescindível que exista coerência entre legislação e políticas públicas. Fazem parte de nosso cotidiano leis que não são cumpridas e políticas públicas descoladas das leis. Na área do sistema penitenciário, esse descolamento é absolutamente dramático.” Algo foi feito para neutralizar esse descolamento? A resposta é não, e os últimos acontecimentos de São Paulo o comprovam.
Artigo publicado pelo GLOBO, em 21 de maio último, mostra com clareza como a Lei de Execução Penal (LEP), que estabelece como as prisões devem ser administradas, além de definir direitos e deveres de presos, vem sendo ignorada neste país. Se, nos últimos vinte anos, período de vigência do diploma legal, os dispositivos da LEP tivessem sido observados, certamente não teríamos presenciado os trágicos acontecimentos vividos por São Paulo, dentro e fora dos muros das prisões. Da mesma forma, se o Plano Nacional de Segurança Pública tivesse de fato saído do papel, a história nesta área poderia ter sido bem outra. Do referido capítulo sobre as prisões, constam vinte e sete propostas e recomendações que permitiriam avanços muito importantes e, certamente, se implementadas, teriam contribuído ao longo dos últimos anos para que um mínimo de decência fosse injetado neste caótico sistema penitenciário brasileiro. Mas, para que o governo federal tivesse autoridade para induzir políticas na área, deveria ter destinado os recursos necessários para cumprir o plano.
Entre as propostas, destaquem-se: 1.determinação expressa para que os recursos do Fundo Penitenciário Nacional não fossem contingenciados (só em 2005, dos R$ 240 milhões orçados, apenas R$ 160 milhões foram liberados pelo governo federal e o volume de recursos bloqueados nos últimos anos totaliza R$ 341 milhões); 2. abertura de linhas de crédito específico para estímulo ao trabalho prisional (dos 365 mil presos no país apenas 10% trabalham, quando a própria LEP diz que o preso condenado é obrigado ao trabalho e pode descontar um dia de sua pena para cada três dias trabalhados); 3. criação de grupo de trabalho no Ministério da Educação objetivando o desenvolvimento de programas de educação para o preso (nada foi feito e, embora 70% dos presos no país não tenham completado o primeiro grau, apenas 17% estudam dentro das prisões); 4. apoio aos estados para que os dados relativos à situação jurídica dos presos fossem informatizados, auxiliando os trabalhos do Judiciário (sabe-se que muitos presos permanecem detidos depois da pena cumprida e percentual significativo tem seu direito a livramento condicional muito postergado, o que serve como combustível para elevar a tensão dentro dos muros e contribui para explosões de violência que transbordam os mesmos); 5. efetivo apoio técnico e financeiro aos estados para criarem programas de penas alternativas, principalmente de prestação de serviços à comunidade, para infratores que não são violentos e perigosos (ao invés de fazer o que propunha, o governo federal cortou recursos para a área e reduziu a importância do departamento que tratava do assunto no âmbito do Ministério da Justiça); 6. implementação de estratégias de apoio aos egressos (outra área para a qual não houve investimentos).
Como se vê, pouco ou nada foi feito ao longo dos últimos anos para fazer a LEP ou o Plano Nacional de Segurança Pública saírem do papel. Falta tudo em nossas prisões, sobrando violência e corrupção. Quando o Estado se ausenta, abre espaço para que grupos mais ou menos organizados imponham sua vontade, através da força e do terror, dentro e fora dos muros.
Neste momento, é preciso que o Executivo e o Judiciário, na esfera federal e estadual, somem esforços para que se busque o cumprimento da LEP. Iniciativa louvável já tomou a ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal, ao instituir comissão, em 18 de maio, para, em trinta dias, recomendar a criação de banco de dados com informações sobre os presos que contribua para agilizar o trabalho dos juízes, permitindo que se cumpram a lei e seus prazos.
Há muito a ser feito. Basta que se acredite que leis foram feitas para serem cumpridas. O Brasil não precisa de novas leis e o endurecimento penal não vai nos trazer mais segurança. Está na hora de tirar a LEP do papel e o Plano Nacional de Segurança Pública das gavetas. Antes que seja tarde demais.