Privatizar resolve?

Os presídios privados podem ser uma boa solução para a falta de vaga nas cadeias. Mas atenção – apenas isso não detém o crime

Faltam cadeias para prender todos os bandidos do Brasil. O que no passado era dito em tom de galhofa hoje é mais um dado alarmante sobre a precariedade do sistema prisional do país.O último levantamento da Secretaria Nacional de Segurança mostra que há apenas três vagas para cada quatro condenados. Se todos os mandados de prisão expedidos pela Justiça fossem cumpridos, o número saltaria para 653 mil. Encarcerar tanta gente custaria sete vezes o valor do Bolsa-Família, ou R$ 65,3 bilhões, tendo por base o custo de cada vaga em uma penitenciária federal, que é de R$ 100 mil. Outros R$ 7 bilhões anuais seriam gastos para manter os presos. Evidentemente, esses recursos não existem. Privatizar as cadeias pode ser uma solução?

Até agora, nenhum país chegou a uma resposta definitiva.Há cerca de 200 presídios privados no mundo, metade deles nos Estados Unidos. Os americanos começaram a testar o modelo na década de 1980. Hoje, ele atende 7% dos condenados. Na Inglaterra, são 10%.A Austrália, com 17%, é a recordista mundial. África do Sul, Canadá, Bélgica e Chile também aderiram à privatização.

O Brasil gasta R$ 4,8 bilhões por ano para manter seus presos. Um levantamento do governo australiano mostra que um preso em regime privatizado pode custar menos que na cadeia pública -lá, o custo cai de US$55 mil para US$ 34 mil. Para os donos dos presídios, os números da privatização nos Estados Unidos sugerem que o negócio não é ruim. O valor de mercado da Correction Corporation of America, a maior empresa do ramo, saltou de US$ 200 milhões para US$ 1 bilhão f em cinco anos.

Mas nem todos os exemplos são tão bem-sucedidos. Na Nova Zelândia, o Estado retomou o controle do único presídio que estava sob administração empresarial. Se a privatização fosse boa, os Estados Unidos, a nação mais privatista do planeta, não teriam tão poucas unidades privatizadas, diz Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e ex-subsecretária de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

De acordo com o Departamento de Justiça americano, a economia para o governo com um presídio privado é de apenas 1% em relação a um presídio mantido pelo Estado.

Opositores da privatização também afirmam que os administradores das cadeias fazem lobby por leis mais duras e encarceramentos mais longos.

Eis o principal ponto positivo do exemplo americano: quando a gestão é privada, a implantação de novas unidades custa menos e é mais rápida. Uma unidade privada de 350vagas é entregue em cinco meses a um custo de US$ 14mil por vaga. Pela mesma obra, o governo gasta quase o dobro, US$ 26 mil, e o prazo de entrega é de dois anos. Trata-se de uma preciosa lição para países com déficit de vagas. Se o Brasil tivesse a eficácia das empresas americanas, as 103.400 vagas que estão faltando aqui sairiam por pouco mais de R$ 3 bilhões. Pelos padrões atuais do Estado brasileiro, o custo seria três vezes maior.

Outro aspecto importante é que, nos presídios privados, o preso costuma trabalhar. No Brasil, essa ainda é uma condição excepcional.O Rio de Janeiro é um exemplo.Dos 22 mil presos do Estado, apenas 900 têm alguma ocupação. As vantagens do trabalho de presos são muitas. Para o preso, cada três dias trabalhados equivalem a um a menos na pena, além de salários que variam de R$ 295 a R$ 550. Para a sociedade, 5% desse valor é retido como uma espécie de imposto usado para custear o encarceramento.- Nos presídios privados, o trabalho dos presos poderia gerar serviços ou produtos vendidos no mercado.

O Brasil nunca teve uma penitenciária 100% privada. Em 1999, o Paraná começou a construir presídios e entregá-los a empresas. Em 2002,45% dos serviços prestados aos presos eram privatizados. A terceirização foi interrompida no fim do ano passado. Em presídios pequenos, o gasto chegava a ser até 80% maior, sem uma contrapartida de qualidade que justificasse o gasto. Não tínhamos controle sobre os presos, diz o diretor geral da Secretaria de Justiça paranaense, Luiz Carlos Giublin. Ele afirma que o salário pago pelas empresas privadas era muito menor, e isso trazia funcionários menos qualificados: Um agente ganhava R$ 500. Hoje, pagamos R$ 2.400 e as prisões ainda custam menos. As empresas precisam ter lucro, e esse lucro tem de vir de algum lugar, diz.

O melhor exemplo brasileiro está no Ceará. Dos 11 mil detentos do Estado, 1.549 são mantidos por empresas. O coordenador do sistema penitenciário cearense, Bento Laurindo, diz que os presídios privados são mais ágeis. Se quebra uma torneira, eles trocam logo. Num presídio do Estado, tem de haver licitação e, quando a torneira chega, dez já estão quebradas. Em relação às outras unidades, elas estão muito avançadas”.

De acordo com a ex-secretária nacional de Justiça Elizabeth Sussekind, os presídios privados são mais eficazes. “Um agente penitenciário corrupto, se for público, no máximo é transferido. Se for privado, é demitido na hora. Há quem diga que custam mais, mas isso só acontece porque oferecem mais. Fui secretária e cansei de entregar alvará de soltura a quem ficou preso por quatro anos e saiu da cadeia sem saber assinar o nome. Eles colocavam a digital no alvará porque o Estado foi incapaz de alfabetizá-los”, diz Elizabeth.

Os números comprovam que o modelo atual faz pouco pela ressocialização do preso: 60% deles voltam ao crime. Mesmo tentativas de envolver o terceiro setor na questão carcerária deram errado. O governo de São Paulo assinou, em 2000, convênios de R$ 31,4 milhões para que ONGs administrassem 16presídios, dando assistência a 9,6 mil presos. Mais tarde, a Secretaria de Administração Penitenciária reviu os contratos, apoiada em um relatório com mais de 400 páginas. O documento classificava as ONGs como “redes de ganhar dinheiro”: Uma entidade de Bragança Paulista foi acusada de desviar 16mil refeições de presos. Em outros casos, carros foram comprados para o transporte de presos, uma prerrogativa do Estado. Tais episódios não significam que toda iniciativa de terceirizar presídios esteja condenada à corrupção – cujos exemplos mais eloqüentes, por sinal, estão no setor público.

Antes de decidir se privatiza ou não o sistema carcerário, o Brasil deve ter em mente as causas do déficit de vagas. “A população carcerária cresce 10%, enquanto a população brasileira cresce 1,3%, diz o deputado estadual fluminense Marcelo Freixo (P-SOL), ex-diretor da ONG Justiça Global, especializada no combate a violações dos direitos humanos em presídios. “Se continuarmos nesse ritmo de crescimento, em 2076 mais da metade da população vai estar presa. Precisamos resolver é a raiz desse inchaço”.

Pág: 42 a 44
Editoria: Brasil

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