Injustiça com as próprias mãos

No dia 2 de fevereiro, a policial Alda Rafael Castilho foi covardemente assassinada no Parque Proletário, na Penha. A jovem, de 27 anos, estudante de psicologia, perdeu a vida acreditando que, na polícia, poderia dar sua contribuição à sociedade.

O fato não provocou qualquer mobilização, ou comoção social que correspondesse à barbárie do ato e ao sofrimento daqueles que a perderam. Talvez porque haja uma crença de que a morte de policiais seja um fato natural, já que eles lidam com o crime no seu dia a dia. Mas não é. Assim como choca a todos a quantidade de jovens assassinados em nosso país e o número de civis mortos pela polícia, sobretudo quando comparados às taxas internacionais, choca também o número de agentes mortos, em serviço e fora dele, um ponto igualmente fora da curva, na comparação com outros países. Não é difícil perceber que todas essas mortes são parte de uma mesma realidade.

O assassinato de Alda tampouco serviu para estimular uma reflexão sobre o enfrentamento da violência (em suas antigas e novas formas e significados), nos estritos parâmetros da lei, como se espera em um regime democrático. Em vez disso, ele foi tragado imediatamente pela lógica da vingança, resultando no banho de sangue promovido por policiais, no dia seguinte, no Morro do Juramento. Um tipo de reação cuja consequência é alimentar a sede inesgotável por mais violência e fragilizar o princípio que deu origem às UPPs: a noção de que o caminho para enfrentar a criminalidade não pode ser o espelho brutal do modo de agir dos criminosos, assim como as favelas não podem ser vistas como territórios onde o valor da vida é menor do que no resto da cidade.

Porém, a ideia que sustenta a vingança — a de que o mal deve ser reparado por um mal de igual ou maior intensidade — está, deploravelmente, entranhada na nossa cultura. Está nas telenovelas, quando, em seu ápice, saciam o público com a humilhação ou a morte de seus vilões. Está nos grupos que, dentro ou fora da polícia, acreditam fazer “justiça” cometendo atos de barbárie muito mais graves do que os que pretendem punir. Está, igualmente, na base do nosso modelo penalista, que mira apenas o passado e investe exclusivamente na punição, em vez de apostar também na reparação do dano, na atenção às necessidades das vítimas e no comprometimento dos envolvidos com a construção de relações futuras. O devir, felizmente, é sempre imprevisível. Porém, a experiência parece não deixar dúvida de que a vingança é um atalho certo para eternizar a violência.

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