É preciso sempre lembrar as mais de cinco mil vidas poupadas pela redução do número de mortes violentas no Rio a partir da implantação das UPPs no fim de 2008. É preciso sempre lembrar a visão da mudança de uma “polícia para fazer a guerra para uma polícia para fazer a paz” e a expansão da cidadania nas favelas como marcos fundamentais deste processo.
É preciso sempre lembrar por que esta é uma conquista valiosa das sociedades carioca e fluminense, mais do que de qualquer ator em particular. Resulta de 20 anos de impasses e sofrimentos, que nos trouxeram, de um lado, a superação do primado da guerra, e o reconhecimento da importância de uma polícia cidadã em todas as áreas do estado, de outro. Se logramos, nos últimos anos, avanços concretos nessas direções, foi porque os esforços combinados de policiais, agentes sociais diversos, acadêmicos e ativistas foram capazes de produzir o repertório necessário para ir além da “gratificação faroeste’’ versus o “polícia para quem precisa’’ na trajetória comum.
Vivemos hoje, no entanto, os limites do que deixamos de fazer a partir disso. Faz alguns anos que vozes também múltiplas chamam a atenção para a necessidade de novas etapas após o movimento inicial das UPPs. E caminhar na sua institucionalização, tornando-as verdadeiramente comunitárias, engajando a Polícia Civil e os órgãos de Justiça e dotando-as de mecanismos sólidos de participação e controle social. Além disso, promover o aprimoramento mais amplo das nossas polícias para dar conta de desafios de todo o Rio, mais do que de algumas áreas. Ainda mais decisivo, ir além da ocupação policial, avançando com clareza na integração social e urbana, com o norte da cidade integrada como objetivo principal.
A sucessão de episódios trágicos em comunidades diversas e a retomada do crescimento dos homicídios no estado já não permitem ter dúvidas da necessidade de fazer mais do que o realizado até aqui. Mas é evidente também que a escolha dos caminhos para isso não pode ser entre o “fora UPPs’’ e a defesa incondicional delas. Quem saúda as unidades pela demonstração da possibilidade de um policiamento qualificado no Rio e a redução da violência está correto. Quem as critica pela limitação à presença policial e a retomada gradual de velhas práticas de arbítrio está certo também. Nosso desafio é ter a coragem de fazer este balanço com lucidez, produzindo novas convergências.
É preciso consolidar a atuação policial democrática e efetivar a expansão de serviços nas áreas pacificadas, integrando-as ao conjunto da cidade. E abraçar o desafio ampliado da reforma das polícias, criando condições de universalização e enraizamento do processo. Temos uma agenda não cumprida na segurança pública e nas políticas para as favelas no Rio nos últimos anos. Realizá-la será, certamente, melhor receita do que nos perdermos em perplexidade e ressentimentos que não têm como nos levar adiante. O Rio precisará da soma de todas as vozes dispostas a isso para avançar agora.
José Marcelo Zacchi é diretor executivo da Associação Casa Fluminense, Pedro Strozenberg é secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião e Silvia Ramos é coordenadora do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.