Apostando no pior

Quando vejo o Congresso Nacional se movimentando para reduzir a responsabilidade penal no país para 16 anos, não posso deixar de pensar que se está apostando no pior. Quando começarmos a mandar nossos jovens de 16 e 17 anos para cumprir penas nas celas fétidas e superlotadas do sistema penitenciário brasileiro, convivendo com criminosos experientes e perigosos, certamente estaremos vivendo no pior dos mundos.

E não me venham dizer que haverá prisões especiais para esses jovens, locais onde eles serão reeducados, se o poder público neste país tolera a vergonha que são hoje as unidades para adolescentes infratores. Há mais de 20 anos convivo profissionalmente com a realidade dramática das prisões do país. Nesses anos já ouvi muitas promessas de reformas do sistema penitenciário. Reformas de toda ordem. Continuo aguardando. E o que sigo constatando é que tratamos os nossos presos como animais, transformamos homens e mulheres em seres humanos cheios de ódio, prontos para cometer crimes muito mais graves e violentos do que aqueles que os levaram à prisão.

Agora querem fazer o mesmo com nossos adolescentes, como se eles fossem os principais responsáveis pela onda de violência que assola o país, como dizem alguns. Esses não conhecem mesmo da missa a metade. Dados coletados pelos Ilanud/SP, UNICEF e Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça falam por si. Em primeiro lugar, os adolescentes infratores são responsáveis por apenas 10% dos crimes cometidos no Brasil. E mais: de cada 100.000 adolescentes, só 2,7 são infratores, enquanto, em cada 100.000 adultos, 87 são infratores.

De todos os atos infracionais praticados por adolescentes, somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria (75%) são crimes contra o patrimônio e, destes, 50% são furtos, isto é, delitos sem violência. No ano 2000, dos mais de 40 mil homicídios que aconteceram no Brasil, os adolescentes foram responsáveis por 448, mas foram vítimas em 3.800 casos. Aliás, 75% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos são mortes violentas. Os adolescentes, portanto, são muito mais vítimas do que perpetradores de violência neste país. O grande problema está em que os crimes praticados por adolescentes sempre recebem tratamento privilegiado na mídia, ou seja, divulgação de tal forma ampla que fica a impressão de que são muito mais numerosos e graves do que realmente são.

Para aqueles que acreditam que nossos adolescentes ainda não são punidos com o devido rigor, é bom lembrar que existem hoje no país 16.000 adolescentes privados da liberdade e, certamente, aqueles que cometerem atos infracionais violentos devem ser punidos. Não estou aqui defendendo a impunidade, que isto fique bem claro.

Mas o que precisamos é ter a coragem de admitir que este país está longe de cumprir suas mínimas responsabilidades para com nossas crianças e jovens, sobretudo os pobres. Entre os adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas, aí incluída a privação de liberdade, menos de 4% concluíram o ensino fundamental. Uma sociedade excludente e injusta como a brasileira não pode apostar na redução da responsabilidade penal como saída para a superação da violência. Estaremos, certamente, apostando no pior. Está na hora de virar o jogo e apostar na inclusão e na construção de uma sociedade em que jovens pobres não sejam seduzidos pelo crime como único meio de ascensão social.

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