Que me perdôe a Senadora Benedita da Silva mas querer punir com a privação da liberdade até mesmo uma simples cantada é julgar que a mulher brasileira, neste final de milênio, ainda precisa ser tutelada por não ser suficientemente capaz de cuidar do seu próprio nariz. Do jeito que as coisas vão, logo teremos meninos de seis anos sendo punidos porque deram um beijo na coleguinha da escola, como aconteceu nos Estados Unidos. Aliás, lamentavelmente continua a ser corriqueiro neste país achar que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. O que a nobre Senadora parece desconhecer é que, a despeito de ter a legislação penal mais severa do planeta, inclusive em relação ao assédio sexual, os Estados Unidos têm os mais altos índices de criminalidade do mundo desenvolvido, aí incluídos os estupros.
Os números relativos a estupros em países do Primeiro Mundo merecem análise e reflexão. De acordo com dados das Nações Unidas, os Estados Unidos têm cerca de seis vezes mais estupros por l00.000 habitantes do que a França, por exemplo, país com uma legislação penal muito mais branda, que nem de longe se assemelha à norte-americana. Aliás, não é só em relação ao combate a crimes de natureza sexual que os Estados Unidos vêm fracassando.
Em relação a homicídios, a análise comparativa dos índices é também impressionante. Em l995, os Estados Unidos tiveram l0 homicídios por l00.000 habitantes, enquanto na França e na Alemanha as taxas foram de, respectivamente, 4.6 e 4.2 homicídios pelos mesmos l00.000 habitantes. Esses números demonstram, com clareza, que não é com legislação penal rigorosa que se resolve o problema da criminalidade. Mesmo com pena de morte, prisão perpétua e um milhão e setecentos mil americanos atrás das grades, (a maior taxa de encarceramento do mundo), os Estados Unidos amargam uma situação de insegurança em suas grandes cidades incomparável a qualquer capital européia. Portanto, ilustre Senadora, não é com legislação penal e pena de prisão que vamos resolver o problema do assédio sexual.
O Projeto de Lei proposto fala em pena de prisão de até quatro anos para o assédio físico, definido como o emprego de meios físicos mediante violência, grave ameaça, fraude ou coação psicológica, para tentar constranger mulher ou homem à prática de atos sexuais. No caso de assédio verbal, entendido como constranger, por meio de palavras ou gestos, mulher ou homem, com o intuito de obter favorecimento ou vantagem sexual, a pena pode chegar a um ano de privação de liberdade. Além disso, há circunstâncias agravantes que elevam a pena até o dobro.
A necessidade da punição da prática do assédio sexual não deve nos levar a perder de vista que o exagero quanto à pena e a falta de critérios para definir com exatidão a figura do assédio sexual serve tão somente para banalizar o tema.
Ademais, para punir o assédio sexual não há necessidade de se criarem novos tipos penais, além dos já existentes na legislação brasileira. Poder-se-ia, por exemplo, incluir formas de assédio sexual no tipo constrangimento ilegal. Outras modalidades poderiam estar relacionadas a partir de uma ampliação dos tipos estupro e atentado violento ao pudor. E, é bom que se diga, os três tipos penais já prevêem penas rigorosas.
A figura do assédio sexual, como defendem inúmeros estudiosos do tema, precisa ser construída a partir do local de trabalho. Neste caso, é a relação de superioridade hierárquica entre o (a) assediante e o (a) assediado que está em questão. Existindo tal relação, que implica na possibilidade concreta de prejuízo, como a perda de emprego ou promoções, em qualquer momento que a liberdade sexual do (da) assediado (a) fosse de alguma forma restringida ou agredida, ficaria caracterizado o assédio sexual. Como o bem a ser protegido é o próprio emprego, a legislação sobre assédio sexual pode perfeitamente inserir-se na legislação trabalhista, punindo-se tal prática com multas e indenizações. Na área do direito administrativo, o assédio pode ser punido com perdas de crédito em entidades públicas, como o BNDES, ou bancos públicos , como o Banco do Brasil.
Patricia Kelly, pesquisadora norte-americana que vem estudando a questão do assédio sexual nos Estados Unidos, lembra que os legítimos anseios por respeito e liberdade vêm sendo reduzidos ao absurdo graças a indefinições legais que põem no mesmo nível sentimentos e fatos reais chamando a atenção para os perigos de uma legislação demasiado invasiva no terreno das relações interpessoais.
Qualquer descuido na legislação que vier a tratar do tema pode dar margem a julgamentos carregados de subjetividade e marcados, talvez, por um puritanismo hipócrita. E, além de tudo, é mais do que chegada a hora de se admitir neste país que a pena de prisão deve ser usada com muita parcimônia porque é ineficaz e muito cara.. A prisão, antes de ser remédio para todos os males, é um instrumento de controle social absolutamente falido e pensar que o assédio sexual pode ser resolvido desta maneira é um grande equívoco.