A idéia de que a prisão é o único castigo suficiente para alguém que cometeu um crime está por trás de toda a polêmica criada pela suspensão condicional do processo de Fabrício Klein, processo que, aliás, não teria a repercussão que vem tendo não carregasse o acusado sobrenome que teve ou ainda tem algum prestígio.
Ora, não interessa se o sobrenome é Klein ou Silva, o que importa é que casos como este são representativos de uma noção absolutamente equivocada de que alguém só é de fato punido se perder a liberdade. No processo em pauta, o motorista infrator está com sua habilitação para dirigir veículos apreendida por dois anos e será responsável pela entrega de 24 cestas básicas, durante o mesmo período, a uma entidade que trata de dependentes de drogas, além de ter que indenizar a família da vítima por danos materiais e morais, dentro de valores que ainda serão estabelecidos pelo juiz. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que em relação às duas primeiras medidas seria mais adequada a apreensão da carteira de motorista por um período mais longo e a obrigatoriedade de o acusado prestar oito horas de serviços à comunidade em um pronto-socorro de Brasília, convivendo com vítimas de atropelamento, com o desespero de suas famílias diante da morte de seres queridos ou de revolta diante de sequelas irreversíveis.
Todas essas medidas fazem parte do que estipula a Lei 9.099/95 que criou os Juizados Especiais Criminais, considerada por muitos juízes diploma legal que colocou o Brasil mais próximo do que se pratica no Primeiro Mundo quando se trata de punir infratores eventuais, que não se constituem em ameaça concreta ao convívio social, ao contrário, por exemplo, daqueles que assaltam a mão armada, estupram e matam de forma perversa, premeditada e intencional.
Cabe insistir na seguinte pergunta: o que ganha a sociedade colocando na cadeia infratores eventuais que cometeram crimes de menor gravidade ou crimes culposos, aqueles que, de acordo com o Código Penal, são cometidos por imprudência, negligência ou imperícia? Nestes casos, apenas aplaca o sentimento de vingança, recuperando a velha Lei de Talião do olho por olho, dente por dente, nada mais.
Desde os anos 70, quando escolhi como tema de minha dissertação de mestrado em sociologia a Penitenciária Talavera Bruce, trabalho mais tarde publicado sob o título de Cemitério dos Vivos, interesso-me pelas questões do Sistema de Justiça Criminal. Mais tarde, ocupei durante alguns anos o cargo de diretora-geral do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (1991/1994) período em que pude observar muito de perto como a prisão destrói o homem, destrói famílias, aniquila a auto-estima, embrutece indivíduos e mantém criminosos empedernidos junto a ladrões de galinhas. E, sobretudo, a um custo altíssimo. Por isso Douglas Hurd, antigo Ministro da Justiça inglês, dizia que a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores. Este é o único resultado da pena de prisão: tornar as pessoas piores a um custo muito alto.
Além de tornar as pessoas piores, a pena de prisão comprovadamente não intimida, ao contrário, do que afirma o advogado da vítima no caso acima referido. Os altos índices de reincidência em todas as partes do mundo estão aí para provar a falência da pena de prisão como instrumento de transformação de criminosos em homens respeitadores das leis e dos bons costumes. Além disso, as elevadas taxas de criminalidade em países que apresentam taxas de encarceramento muitíssimo acentuadas apontam para a absoluta incapacidade de a pena privativa de liberdade constituir-se em inibidor da criminalidade.
Está mais do que na hora de se começar a pensar estas questões sob a ótica do custo-benefício e, sobretudo, a dívida que tem este país com seus 16 milhões de miseráveis não permite que se continue a mandar para a prisão quem de fato não precisa lá estar. A vingança e a Lei de Talião não têm mais lugar no limiar do século XXI.