Carta aberta a um jovem da periferia

“Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”

Pesquisas que o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania,da Universidade Candido Mendes, do Rio de Janeiro, realiza desde 2003 mostram que enquanto 62% da população nunca foi parada pela polícia, alguns já foram abordados mais de dez vezes. Estes são quase todos jovens, do sexo masculino, negros e moradores de periferias. É o que chamamos taxa de risco IGCC: idade, gênero, cor e classe. Quando articulada com territórios excluídos forma uma “geografia da dura”, que descreve não só aqueles que são mais parados pela polícia como a qualidade do tratamento dispensado.

Entre os que já foram parados,os que se declararam negros foram revistados em 55% das vezes, enquanto os brancos em apenas 32,6%. A maioria dos moradores de favela que entrevistamos está convencida, como diz a música do Rappa, que “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Eles vivem experiências reiteradas, muitas vezes humilhantes e algumas vezes violentas, de serem parados,tratados como criminosos e em seguida dispensados por policiais que se mostram frustrados por não terem encontrado nada como elemento suspeito.

Os policiais entrevistados, por sua vez, consideram as abordagens um procedimento arriscado, mas necessário. Justificam as atitudes duras como normas de defesa. Muitos são negros e recusam o rótulo de preconceituosos. Vários contam que foram ofendidos por serem negros e por serem policiais por pessoas que argumentam: “Sabe com quem está falando?” Jovens negros com quem fizemos dinâmica de grupo disseram que “policial não tem cor, tem farda”, isto é, quando são policiais, sua origem tende a ser sobreposta pela cultura racial da corporação que identifica jovens negros como suspeitos, especialmente se tiverem a estética e a atitude da periferia.

A cartilha A Polícia me Parou, e Agora?, lançada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, é bem-vinda. Ela não resolve, mas inicia uma conversa de direitos e deveres entre jovens e policiais que o Brasil precisa enfrentar há muito tempo.

(Caderno Aliás)

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