Primeira etapa do projeto teve operações policiais em Jacarezinho e Manguinhos
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, anunciou nesta quarta (19) o início do programa Cidade Integrada. Sua primeira etapa consistiu nas operações policiais que desde esta quarta acontecem nas favelas do Jacarezinho e Manguinhos e que assustaram os moradores, acostumados com os “efeitos colaterais” das operações policiais fluminenses. Em 2021, segundo relatório do Fogo Cruzado, 3 de cada 4 chacinas registradas no Grande Rio de Janeiro ocorreram durante operações policiais, deixando 195 mortos.
De acordo com ofício interno do próprio governo do estado, de setembro de 2021, o Cidade Integrada objetiva promover a cidadania por intermédio da integração de bairros da cidade e de investimentos em infraestrutura, melhorias de espaços públicos, garantia de acessibilidade, construção e reforma de equipamentos públicos, reforma de unidades habitacionais, ações sociais, de segurança pública, de investimentos em projetos que gerem emprego e renda, entre outros.
Quem lê o ofício a que tivemos acesso fica com a impressão de que um bom programa estaria sendo planejado. Mas, na prática, não foi exatamente o que aconteceu.
Em primeiro lugar, se olharmos para os programas de redução da violência de outras UFs, mais especificamente no DF, ES, PE e SP, veremos que ao contrário do Cidade Integrada havia foco e, em especial, havia uma forte preocupação com participação social.
Os objetivos não eram apenas uma versão de marketing governamental, mas o resultado de construções que envolveram Conselhos Comunitários, Conferências Estaduais, reuniões com lideranças e movimentos.
O Cidade Integrada foi pensado nos gabinetes das autoridades sem que existisse um processo de escuta da população ou, mesmo, da Prefeitura do Rio, responsável direta por muitas das ações urbanísticas que em tese integram o programa.
A lógica por trás é a da guerra às drogas, da ação estratégica que visa surpreender o inimigo e que não confia naqueles que vivem nos territórios. A lógica é a da securitização do social, pela qual desconfianças e temores de “vazamentos” suplantam inclusão e promoção de direitos; suplantam o reconhecimento de que a participação social ajudaria na mitigação do racismo estrutural, considerando o fato de que o Jacarezinho tenha sido construído, historicamente, como um Quilombo e que possua até hoje uma das maiores populações negras da cidade do RJ.
Em segundo lugar, fica evidente, sobre os aspectos técnicos acerca das políticas públicas, que, se estudos prévios existiram, eles não são públicos e não sabemos quais os cenários e critérios adotados para a escolha das comunidades selecionadas.
Não há orçamento definido e não há indicadores de monitoramento. Não se sabe quais são as responsabilidades e/ou as instituições envolvidas. Não à toa, os representantes das polícias não têm conseguido fornecer informações sobre o programa durante as entrevistas iniciais. Um programa de promoção da cidadania é incompatível com sigilos e falta de transparência.
Por fim, e talvez o mais emblemático desse episódio todo, é que Castro parece estar buscando embalar o que é atividade permanente do Estado em uma marca própria com vistas às eleições de outubro deste ano.
Não surpreende que ele reproduza erros cometidos pelas UPPs e escore a viga mestra do programa no modelo de ocupação policial do território, que rege muitas das polícias brasileiras e resulta invariavelmente em abordagens e revistas, invasão de domicílio, e outras formas de violência do Estado contra sua própria população.
É comum que as administrações estaduais falem de integração, mas que se contentem com operações policiais de grande visibilidade e letalidade.
Mais uma vez, o Cidade Integrada parece privilegiar a dimensão policial, que é mais “controlável” –basta deixar as polícias gastarem e atuarem como elas acharem que devem e não cobrar que elas prestem contas, ainda mais no RJ. O problema é que isso tende a enxugar gelo e gastar milhões de reais sem que, efetivamente, cidadania e segurança sejam assumidas como direitos fundamentais.
Mas, para além dos problemas do programa, a segurança pública é um ativo político que será bastante explorado por Bolsonaro e seus aliados, aqui incluído o governador Cláudio Castro. É provável que esta seja a grande bandeira desse campo.
Assim, é preciso defender a ideia da participação social e da escuta dos diretamente afetados pelas ações como condição básica para políticas e programas. Do contrário, no caso das favelas fluminenses, o que veremos será tão somente a troca da tirania das facções e milícias pela tirania estatal oficial.