No dia 13 de agosto, a Ouvidoria da Polícia recebeu a milésima queixa contra policiais do Estado do Rio de Janeiro. O denunciante, que preferiu manter-se no anonimato, como aliás acontece com 85% dos queixosos, revelou ter conhecimento de uma quadrilha formada por policiais civis e militares envolvida em tráfico de armas, seqüestros e mortes na Zona Oeste da capital e nos forneceu os nomes de seus integrantes. Como de costume, encaminhamos a denúncia para as Corregedorias das Polícias Civil e Militar e estaremos acompanhando as investigações.
Os resultados dos primeiros meses de trabalho da Ouvidoria da Polícia do Estado do Rio de Janeiro, que começou a funcionar em 16 de março deste ano, indicam que a decisão de criar um instrumento através do qual a população tivesse acesso fácil para transmitir suas queixas sobre comportamentos arbitrários ou ilegais de policiais civis e militares foi absolutamente acertada. Por um lado, respondeu a uma demanda reprimida bastante significativa, na medida em que a maior parte das pessoas que nos procura, admite que o faz por saber que este não é um órgão subordinado à Polícia. Por outro, os resultados vêm demonstrando que a parceria entre a população e o governo pode, de fato, contribuir para a melhoria da segurança pública em nosso estado. A partir de informações dos cidadãos fluminenses à Ouvidoria, inúmeras investigações bem sucedidas já aconteceram e algumas dezenas estão em curso.
Criada através de lei proposta pelo Deputado Carlos Minc, e sancionada pelo Governador Anthony Garotinho, em janeiro de 1999, a Ouvidoria da Polícia faz parte da estrutura da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, mas, de acordo com a legislação, constitui-se em órgão independente e autônomo e, a seu titular, é outorgado um mandato. Atualmente, existem Ouvidorias semelhantes apenas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Pará e Rio Grande do Sul. Como recomendação do Programa Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, a criação de Ouvidorias vem sendo estimulada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos que pretende ver instaladas Ouvidorias em todos os estados brasileiros até finais do ano 2000. Faz parte do projeto de José Gregori, titular daquela pasta, a criação, também, da Ouvidoria da Polícia Federal.
Em cinco meses de funcionamento, a Ouvidoria da Polícia do Estado do Rio de Janeiro recebeu mil denúncias : 60% referem-se a policiais militares e 40% a policiais civis. Quanto à natureza das denúncias, um terço das mesmas está relacionada a casos de extorsão e corrupção. Número significativo de denúncias de agressões e homicídios cometidos por policiais está sendo investigado, assim como o desaparecimento de pessoas, vistas pela última vez sendo colocadas dentro de um camburão. Como resultado direto de denúncias à Ouvidoria, entre 16 de março e 16 de agosto deste ano, já foram punidos 45 policiais militares e um escrivão da Polícia Civil foi preso em flagrante de extorsão.
Para quem considera ser muito pequeno o número de punições, se comparado à elevada quantidade de denúncias, seria conveniente lembrar que existe uma eficácia simbólica nas punições e, até mesmo, na abertura de investigações que acabam por não lograr êxito, pela carência de informações adequadas, mas servem de alerta para os envolvidos nas irregularidades. É possível que, por enquanto, o impacto maior de tudo isto se circunscreva aos batalhões e delegacias onde estavam lotados os policiais sobre os quais a população se queixou. Mas, a repercussão desses casos acaba por espraiar-se por um universo que vai além dos limites de um ou outro batalhão e delegacia, transmitindo a idéia de que hoje existe um órgão autônomo e independente, criado por um governo que deseja transparência e que busca combater a impunidade dentro das polícias.
Ao fiscalizar e monitorar o trabalho das Corregedorias das Polícias Civil e Militar, responsáveis diretas pelas investigações de atos arbitrários ou ilegais cometidos por policiais, a Ouvidoria realiza o que se conhece como controle externo da polícia e de seu poder disciplinar. O controle externo da atividade policial é uma marca das sociedades verdadeiramente democráticas e constitui-se num dos únicos instrumentos capazes de restaurar a confiança nas instituições policiais, evitando as velhas práticas corporativistas que alimentam cumplicidades. Sempre chefiados por profissionais que não pertencem aos quadros das polícias, os órgãos que exercem o controle externo, tanto no Brasil, quanto em outras partes do mundo, acabam por contribuir para o aperfeiçoamento da atividade policial e, consequentemente, para a melhoria da segurança pública.
É preciso compreender, também, que o controle externo preocupa-se com o equilíbrio entre a eficiência da polícia e a segurança individual de cada membro da comunidade. Nesse sentido, o trabalho da Ouvidoria jamais estará voltado para impedir a ação da polícia, mas estará sempre determinado a assegurar que a ação da polícia se dê dentro dos limites da lei. E, como parte de um conjunto de ações inovadoras na área da Segurança Pública, o trabalho da Ouvidoria acabará por fazer sentido se pudermos contribuir para afastar de vez as taxas experimentadas entre os anos de 1993 e 1996 quando, em cada dez vítimas de homicídios, no Estado do Rio de Janeiro, uma foi morta pela polícia. Ou dos índices de 1996, quando o número de policiais mortos em serviço, na cidade do Rio de Janeiro, foi vinte e sete vezes superior àquele de Nova York.
Por último, cabe assinalar que a Ouvidoria da Polícia tem a responsabilidade de assegurar que as queixas da população em relação à sua polícia sejam devidamente registradas e investigadas e os acusados punidos, quando culpados, mas a Ouvidoria também vai procurar desenvolver um trabalho de parceria com as polícias, apoiando suas legítimas reivindicações e buscando caminhos para desenvolver estratégias de valorização do policial , fortalecendo sua auto-estima. O bom policial também está preocupado com a imagem que a população tem da polícia e vamos trabalhar juntos para que tenhamos, no Estado do Rio de Janeiro, policiais que se orgulhem de sua profissão e uma população que se orgulhe de sua polícia.