Penas alternativas: os desafios da reflexão

Como membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério da Justiça, fui convidada a participar, entre os dias 12 e 3 de abril corrente, em Vancouver, Canadá, de conferência sobre a prevenção da criminalidade, onde estiveram presentes 400 representantes de 30 países. Como se esperava, destacaram-se as penas alternativas à prisão, consideradas estratégias efetivas de controle da criminalidade, devido à sua comprovada eficácia na diminuição dos índices de reincidência. É oportuno refletir sobre o material apresentado, que pode ampliar a já abrangente análise da questão, desenvolvida pelo ministro da Justiça, Nelson Jobim, nas páginas do GLOBO (3/04/96).

Países tão distintos quanto a África do Sul e a Finlândia, o Chile o os Estados Unidos, a Holanda e o Brasil, o Canadá e a Argentina, a Estônia e a Inglaterra, e outros tantos, buscavam em Vancouver respostas para superar um modelo anacrônico, obsoleto, falido, caro e absolutamente ineficaz: a pena privativa de liberdade.

Compartilhando experiências e discutindo projetos criativos de muitos países é fácil concluir que, no Brasil, utilizamos muito pouco, ou quase nada, as alternativas à prisão, embora a legislação dispondo sobre a matéria remonte a 1984. A título de ilustração, acentue-se que cerca de 50% dos condenados pela prática de crimes na Inglaterra recebem punições alternativas e, em alguns países da Europa Ocidental, tais índices são ainda mais altos, chegando a 7~% do total de condenações. Entre as alternativas mais freqüentes encontram-se as multas, as prestações de serviços à comunidade, a reparação do dano causado à vítima e a obrigação de participar de programas que incluam cursos profissionalizantes e de recuperação de drogados.

Embora não estejam disponíveis dados para o Brasil, como um todo, sabe-se que, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1995, para um total de 11.647 presos condenados, havia 192 indivíduos prestando serviços à comunidade, o que equivale a apenas 1,6% do total de condenações.

Diferentemente, na Holanda utilizam-se sanções alternativas com enorme sucesso, mesmo para criminosos habituais, desde que não tenham cometido crimes violentos. Nestes casos, o infrator é mantido na comunidade, sob rígido monitoramento de um assistente social e submetido a uma série de obrigações complementares. Pesquisa recente demonstra que a taxa de reincidência, em projetos como esses, é de somente 10%.

Estratégia semelhante vem sendo utilizada na África do Sul, com resultados animadores que incluem, também, a drástica redução nos índices de reincidência, se comparados àqueles dos egressos penitenciários.
Na Finlândia houve uma diminuição considerável da população prisional nos últimos 30 anos. Inúmeras infrações passaram a ser punidas com mu~as e compensação às vítimas, e apenas cerca de 10% dos casos de furtos são punidos com a prisão.

A participação da comunidade na prevenção ao crime no Canadá é digna de nota, inclusive na gerência de programas alternativos que resultam bem-sucedidos, transformando infratores contumazes em cidadãos produtivos e úteis para a sociedade.

Pode-se concluir que os altos custos da pena de prisão, sua histórica ineficácia como instrumento ressocializador e a comprovada inexistência de qualquer relação entre aumento das taxas de encarceramento e redução da criminalidade têm provocado a busca por alternativas. Sobretudo em países como o Brasil, onde milhões de miseráveis mal sobrevivem ao cerco da fome e da falta de oportunidades, não se justifica o uso indiscriminado da pena privativa de liberdade, como acontece atualmente.

Com um custo mensal médio de 5,2 salários-mínimos por preso, o Brasil despende hoje R$ 800 milhões por ano para manter 130 mil homens e mulheres em prisões onde a regra é a superlotação, a convivência de presos perigosos com os chamados ladrões de galinha, a promiscuidade, a insalubridade, e a conseqüente proliferação de doenças, a ociosidade e, com muita freqüência, os maus-tratos físicos e a corrupção. Desses 130 mil presos, 25% a 50% são indivíduos que cometeram crimes sem gravidade ou violência. O orçamento hoje destinado à sua manutenção poderia ser redirecionado para programas que efetivamente podem reduzir a criminalidade através da geração de empregos, da profissionalização da força de trabalho, da construção de moradias populares e da melhoria dos serviços de saúde.

Condenar alguém, por exemplo, a uma pena de três anos de prisão pelo furto de fraldas descartáveis em supermercado, a um custo anual de R$ 6.720, é um completo absurdo e, apesar disso, uma realidade, entre outras tantas com as quais convivi enquanto diretora do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro por três anos. Será que o legislador perguntou ao contribuinte se ele estaria disposto a pagar R$ 20.160 para..punir um furto de R$15 e, além de tudo, tornar esse tipo de infrator um criminoso pós-graduado? Certamente não.

Por tudo isto a reflexão se faz necessária. É hora de refletir sobre a necessidade de se refrear um modelo que é reprodutor da delinqüência. É hora de refletir sobre a questão custo/benefício da pena de prisão. É hora de refletir e pressionar para que as leis que já contemplam as penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade, sejam utilizadas. E, mais ainda, é hora de se rever criteriosamente a atual legislação de forma a permitir que todos aqueles infratores que não ofereçam risco à sociedade, não sejam violentos ou perigosos, possam ser punidos de maneira mais inteligente, eficaz e economicamente adequada.

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