Os resultados do último Censo Penitenciário Nacional que o Ministério da Justiça acaba de divulgar, referentes a dados colhidos em 1997, deixa a impressão de que chegamos ao fundo do poço em matéria de condições para o cumprimento das penas de prisão neste país. E, mais ainda, comparando-se esses dados com as informações colhidas no Censo de 1995, percebe-se que providências urgentes precisam ser tomadas para se evitar o colapso completo do sistema penitenciário brasileiro.
Em 1995 o Brasil tinha 148.760 presos e, em 1997, esse número subiu para 170.207. Passamos de 95,5 para 108,4 presos por 100.000 habitantes, ou seja, a população de presos cresceu mais rapidamente do que a população livre, o que não seria um grande problema se tivéssemos lugar para tanta gente.
É muitíssimo preocupante perceber que o déficit de vagas aumentou de forma considerável: se, em 1995, faltava lugar para 72.514 presos, em 1997 o déficit de vagas chegou a 96.010, número que ainda deve ser maior nos dias de hoje.
Naturalmente, dirão alguns, cresceu o déficit porque cresceu o número de presos e não se produziram vagas. Ora, segundo os dados do Censo, produziram-se, no período, pelo menos 9.000 novas vagas no sistema penitenciário mas, mesmo assim, 40% dos nossos presos continuam em unidades policiais, a grande maioria em condições absolutamente desumanas. E, mesmo com todas essas novas vagas, os sistemas penitenciários estaduais não se livraram dos altíssimos níveis de superpopulação que geram, sistematicamente, violência, rebeliões e acentuam a proliferação de doenças.
Considerando-se o custo médio das penitenciárias que se vêm construindo no país, foram gastos cerca de cem milhões de reais para se produzirem as 9000 vagas e, nem de longe, se tocou no problema da superpopulação: ao contrário, o problema se acentuou.
O Ministério da Justiça deverá, brevemente, abrir licitação para a construção de 52 novas penitenciárias – é o projeto conhecido por Zero Deficit. Essas 52 unidades, construídas em 25 estados brasileiros, deverão gerar apenas 16.440 vagas, ao custo aproximado de R$ 350 milhões. Será gasta uma quantia absolutamente fantástica e, a continuarem as coisas como estão, quando as 52 penitenciárias estiverem prontas o deficit de vagas já terá explodido.
Quem paga impostos neste país precisa entender que, por trás de tudo isto, está uma política de combate à criminalidade equivocada, que aposta no endurecimento da legislação penal como instrumento para garantir a nossa segurança e que tem despejado nas cadeias, com extrema rapidez, um número de presos muito maior do que aquele que o sistema de justiça criminal consegue digerir e colocar de volta na rua.
Endurecimento da legislação penal significa mais gente na cadeia, por mais tempo, e não se conseguiu, ainda, demonstrar que aumentos nas taxas de encarceramento significam diminuições proporcionais nas taxas de criminalidade.
Inúmeras pesquisas nos Estados Unidos contestam essa proporcionalidade e, na Inglaterra, por exemplo, foi comprovado que um aumento de 25% na taxa de encarceramento reduz a criminalidade em apenas 1%, tornando o investimento em presos e prisões um péssimo negócio para o contribuinte, do ponto de vista do custo-benefício, quando se fala de segurança pública.
Por outro lado, sabe-se que quanto mais tempo alguém fica na cadeia, maiores suas chances de reincidir e, assim, penas longas alimentam a criminalidade.
A superpopulação aumenta, também, a despeito da criação de vagas, porque nossa legislação processual penal é complicada, ultrapassada e amarrada à palavra escrita, dificultando a concessão de benefícios legais, como o livramento condicional, nos prazos previstos por esta mesma legislação. Estimativas indicam que, em alguns estados brasileiros, cerca de 50% dos presos já poderiam ter sido liberados condicionalmente, se obedecidos os prazos legais.
É preciso, muito rapidamente, alterar a legislação penal de forma a reservar a pena de prisão para o infrator violento e perigoso, que oferece ameaça concreta à sociedade, e simplificar a legislação processual penal, de forma a tornar os mecanismos de concessão de benefícios mais ágeis e de fácil aplicação. Se continuarmos adiando tais providências, muito em breve estaremos sendo obrigados a desviar recursos de áreas absolutamente prioritárias, como educação e saúde, para custear os gastos crescentes com o sistema penitenciário.
É importante ficar absolutamente claro que não estou aqui defendendo a impunidade. Quem comete crimes deve pagar por eles, de acordo com as leis do país. O que defendo é uma legislação que estabeleça uma razoável proporcionalidade entre o crime cometido e o castigo aplicado.
No Rio Grande do Sul, segundo noticiou, em fevereiro, um jornal daquele estado, um homem ficou preso dez meses pelo furto de cinco galinhas do vizinho, três magras e duas gordas. Aqui no Rio de Janeiro, essas cinco galinhas, não importa se bem nutridas ou raquíticas, teriam custado ao contribuinte quase R$ 6.000,00, se considerado o custo médio mensal do preso fluminense.
Ora, vamos respeitar o contribuinte e fazer bom uso do dinheiro de seus impostos. Infrator violento deve ir para a cadeia. Todos os outros devem ser obrigados a prestar serviços à comunidade, através de trabalho não-remunerado, e indenizar as vítimas de seus crimes.