A chamada “crise na segurança pública do Rio”, que parece a todos preocupar quando os tiroteios acontecem na turística zona sul da cidade e quando o secretário Beltrame decide deixar o cargo, na verdade vem se manifestando há bastante tempo. Incursões violentas da polícia, com a morte de supostos traficantes, moradores e policiais, têm feito parte do cotidiano das favelas cariocas. No Complexo do Alemão, por exemplo, área com mais de 100 mil habitantes, os tiroteios têm sido quase diários, sem qualquer destaque na mídia. Vale lembrar que tanto o Alemão, na zona norte da cidade, quanto o Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, entre Copacabana e Ipanema, têm Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) há muitos anos.
O projeto “UPPs” desmorona a olhos vistos, mas governo e mídia tentaram, durante muito tempo, minimizar a gravidade dos problemas de uma proposta de segurança pública que pretendia implantar o “policiamento de proximidade”. Ora, policiamento de proximidade exige permanente diálogo com moradores e valorização dos policiais na ponta. Isso jamais se concretizou. O monitoramento que o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC/UCAM) vem fazendo sobre as UPPs, desde 2010, demonstra que não foram criadas condições mínimas para o sucesso da iniciativa.
Em paralelo às UPPs, e contraditoriamente, a política de segurança no Rio continuou privilegiando a violência para lidar com o tráfico de drogas. Repetidas vezes, o secretário Beltrame, em entrevistas, enfatizou o fracasso da “guerra às drogas”, mas nem por isso deixou de estimular a estratégia bélica da polícia nas favelas.
Quem sabe se não é a partir dessa contradição que se pode entender o naufrágio das UPPs e a saída de Beltrame, depois de quase 10 anos à frente da Secretaria de Segurança?