Quando o crime compensa

Com o crescimento das privatizações no país, o debate sobre vantagens e desvantagens de prisões privadas começa a ganhar realce.

Muitos juristas sustentam que a privatização de prisões é ilegal e inconstitucional, mas considero este um argumento frágil porque leis e Constituições são alteradas com freqüência neste canto do mundo, como todos sabemos.

Acredito ser a privatização de prisões inaceitável do ponto de vista ético e moral. Numa sociedade democrática, a privação da liberdade é a maior demonstração de poder do Estado sobre seus cidadãos e, como tal, só deve ser exercida pelo próprio Estado. Licitar prisões é o mesmo que oferecer o controle da vida de homens e mulheres para quem der o menor preço, como se o Estado tivesse o direito de dispor dessas vidas como bem lhe aprouvesse.

Mas os defensores das prisões privadas não estão preocupados com as questões legais, éticas e morais e, para estes, a privatização se justifica porque a iniciativa privada teria capacidade de gerir prisões com mais eficácia, oferecendo um serviço de melhor qualidade e com menor custo.

O General Accounting Office, órgão do governo norte-americano, já invalidou este argumento. Ao analisar estudos comparativos, realizados em diversos estados daquele país, concluiu não existirem evidências de que as prisões privadas custem menos do que aquelas geridas pelo poder público.

Se o contribuinte não está ganhando com isso, quem está e porquê cresce o número de prisões privadas nos Estados Unidos?

Em primeiro lugar, estão ganhando as companhias que constróem e operam prisões. A Corrections Corporation of America tem a maior fatia desse mercado e está entre as cinco empresas com melhor desempenho na Bolsa de Valores de Nova Iorque nos últimos três anos. O valor total de suas ações passou de 50 milhões de dólares em 1986 para 3,5 bilhões em outubro de 1997, o que significa um incremento de 6.900% em 11 anos.

A Wackenhut, segunda maior do gênero, viu suas ações aumentarem 32%, apenas no ano de 1997. Não é de admirar que os executivos dessas companhias andem trombeteando que o crime compensa e que têm nas mãos um negócio hoteleiro fantástico, com garantia de 100% de ocupação permanente. Mas qual a estratégia para manter a todo vapor esse negócio fabuloso?

Analistas governamentais e não-governamentais admitem que o endurecimento da legislação penal norte-americana não guarda hoje nenhuma relação com as taxas de criminalidade, que se vêm mantendo estáveis, embora situadas entre as mais altas do mundo desenvolvido, principalmente no que se refere à criminalidade violenta.

Esses analistas apontam para uma conjugação perversa de interesses que tem contribuído para a edição de leis cada vez mais severas, o que significa mais gente presa e mais lucros para as companhias que atuam nesta área.

De um lado, encontram-se políticos explorando, em proveito próprio, uma percepção da criminalidade gerada e estimulada pela mídia que se traduz em acentuado medo da população, absolutamente desproporcional à quantidade de crimes praticados. É o medo do crime se transformando em votos.

De outro, estão lobistas de companhias que constróem e operam prisões intermediando verbas para financiar campanhas desses mesmos políticos. Parentes de deputados são contratados como lobistas e associações diversas entre políticos e carcereiros privados já foram denunciadas. Todos desejosos de se beneficiarem dos lucros que o crime proporciona.

Funcionários de prisões privadas revelaram sofrer pressão para punir os presos com rigor , mesmo pelas faltas mais leves, de tal forma que possam ser adiadas as concessões de livramento condicional. É a privatização de prisões ameaçando o cumprimento da pena dentro da legalidade.

Muitas companhias transformam seus funcionários em acionistas. Assim eles serão os primeiros a querer manter esta rede hoteleira sui generis permanentemente ocupada. Quanto mais hóspedes, mais lucros com a valorização de suas ações.

Além de não existirem estudos definitivos provando serem as prisões privadas menos custosas, não há qualquer indicação de que estas prestem um serviço de melhor qualidade. Ao contrário, inspeções realizadas por agências governamentais já indicaram que a necessidade de reduzir custos para tornar a operação dessas prisões mais lucrativa tem levado seus administradores a cortar pessoal e pagar salários menores, o que provoca um alto grau de rotatividade do corpo funcional, comprometendo seriamente o trabalho desenvolvido. Relatórios demonstram que o nível de violência em alguns estabelecimentos privados, sobretudo em razão da falta de experiência de seus profissionais, é muito superior ao encontrado nas unidades públicas.

É por tudo isto que os críticos da privatização de prisões dizem que hoje, nos Estados Unidos, não é o contribuinte que está ganhando. A privatização de prisões, contrariamente ao que acontece em outros setores, significa apenas privatizar os dólares dos impostos, transformando dinheiro público em lucro privado.

Países como o Brasil, que precisam investir na redução da pobreza e das miseráveis condições de vida de parcelas tão grandes da população, não podem se deixar iludir pelo falso fascínio das prisões privadas. Privatizar prisões é permitir que o dinheiro dos impostos encha os bolsos de aventureiros que vendem prisões privadas.

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