Quando o governo federal decretou a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro, fez isso sem nenhum diagnóstico técnico ou planejamento estratégico. Essa medida extrema foi adotada sem o respaldo de estatísticas, indicadores, definição das principais ações, projeções e análise do orçamento da área de segurança pública do estado.
Talvez por isso, governo e Exército “batem cabeça” sobre o orçamento previsto para a intervenção e sobre as principais ações e projetos que serão desenvolvidos até 31 de dezembro deste ano, data prevista para o fim do decreto.
Os cálculos sobre o custo total da intervenção só foram apresentados pelo interventor militar, general Walter Braga Netto, semanas após o decreto. De acordo com o oficial e sua equipe, seriam necessários R$ 3,1 bilhões — quantia que corresponde a quase metade do gasto total previsto para a saúde (R$ 6,4 bilhões) na proposta de orçamento do estado do Rio de Janeiro para 2018.
Da quantia exigida pelo general, R$ 1,6 bilhão seriam destinados ao pagamento de dívidas existentes na segurança pública, ou seja, gastos para “zerar a conta” e seguir em frente. Aí estão incluídas despesas correntes, como a folha de pagamentos da Polícia Militar (R$ 643 milhões) e fornecimento de alimentação aos presídios (R$ 245 milhões).
Ora, como é possível que um órgão do governo consiga acumular tamanha dívida? Será que a intervenção não deveria ter sido feita na gestão financeira do estado do Rio de Janeiro e nas razões que levaram a essa crise que tem afetado diversas áreas sociais, incluindo o pagamento dos funcionários públicos?
Para além das dívidas a pagar, R$ 1,5 bilhão estão previstos para gastos futuros, mas não há detalhes sobre que tipo de despesas essa quantia financiaria. Todo orçamento precisa de um plano, e todo plano precisa ser discutido com as populações afetadas. No caso da segurança pública no Rio de Janeiro, isso se torna ainda mais indispensável, visto o alto custo que a população paga, seja por ser vítima de grupos criminosos, seja por ser vítima de operações policiais desastrosas nas favelas, onde execuções e corrupção policial andam de mãos dadas. Os cidadãos pagam a conta e sofrem as consequências, mas não têm direito a participar dos processos decisórios sobre como seu dinheiro vai ser gasto.
Em dissonância com os cálculos apresentados pelo interventor, o governo federal publicou em 27 de março a Medida Provisória nº 825, abrindo um crédito extraordinário de R$ 1,2 bilhão para a intervenção, em uma rubrica genérica de nome “Ações decorrentes da Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro”.
Para isso, a Presidência indica remanejamento de R$ 200 milhões de programas da Câmara dos Deputados, mas o volume principal, de R$ 1 bilhão, viria de recursos do Tesouro Nacional oriundos de exercícios financeiros anteriores. Essa é uma fonte de receita bastante genérica e está possivelmente relacionada com superávits financeiros do próprio Tesouro.
Como não existe um detalhamento da ação orçamentária no texto da Medida Provisória, nem no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), fica difícil saber: qual será a destinação desse dinheiro? Que ações serão efetuadas diretamente pelas Forças Armadas?
Recentemente, o interventor mudou a estratégia e tropas estão fazendo o patrulhamento de lugares com visibilidade, como a Praia de Copacabana, onde soldados podem ser vistos em frente ao Copacabana Palace. Além disso, na Vila Kennedy, o laboratório da operação, as Forças Armadas têm realizado ações sociais, como atendimento dentário à população, em um evidente esforço de marketing e propaganda oficiais da intervenção.
Será que a intervenção não deveria ter sido feita na gestão financeira do estado do Rio de Janeiro e nas razões que levaram a essa crise que tem afetado diversas áreas sociais, incluindo o pagamento dos funcionários públicos?
Tudo isso indica que não houve e ainda não há nenhum planejamento público para a execução da intervenção. Para além das possíveis violações de direitos promovidas pelas forças de segurança no Rio de Janeiro — cujo Ministério Público, responsável por exercer o controle externo da atividade policial, tem sido historicamente cúmplice por omissão —, é necessário ficar de olho no orçamento da intervenção e cobrar transparência e participação cidadã nas decisões orçamentárias.
O interventor prometeu criar um site de transparência para disponibilizar várias informações sobre a operação, incluindo orçamento e gastos, o que até agora não se concretizou. A Câmara dos Deputados criou um observatório para fiscalizar o planejamento, a execução de metas e o resultado das ações da intervenção. Vamos ver como tudo isso avança.
Enquanto isso, organizações da sociedade civil, acadêmicos, coletivos de favela e órgãos públicos de controle têm se organizado no Observatório da Intervenção para pedir por uma política de segurança pública cidadã. Por uma vida sem violência. Estamos de olho.