Sob a égide da lei

A decisão judicial que concedeu o benefício do regime semi-aberto a Paula Thomaz vem sendo alvo de críticas contundentes e, em geral, do repúdio, da opinião pública. Isto me lembra algumas situações vividas quando fui diretora do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro.

A movimentação de presos entre as diversas penitenciárias era regulamentada por norma publicada em Diário Oficial, objetivando estabelecer critérios transparentes e impedir privilégios ou discriminações. Algumas unidades prisionais destinavam-se a presos com penas mais curtas, outras a presos de alta periculosidade, ainda outras a presos jovens, e assim por
diante.

Incontável número de presos era transferido semanalmente, sem que isto atraísse a atenção da mídia ou da opinião pública. No entanto, quando se transferia algum preso que a própria mídia já havia se encarregado de notabilizar, a reação era muito diferente. E, nessas ocasiões, eu procurava esclarecer que a obrigação e o dever do administrador público é não ceder à pressões que resultem em privilégios. Ao mesmo tempo, jamais pode o administrador público trair sua responsabilidade de garantir o exato cumprimento das normas legais, capazes de assegurar tratamento igualitário a todos, mesmo que, para tanto, venha a ser alvo de pesadas críticas.

A concessão do benefício da prisão semi-aberta a Paula Thomaz, que poderá ou não ser acompanhada de autorização para trabalho fora dos muros, também atraiu para o juiz, que assim deliberou, a reprovação de grande parte da opinião pública.

Todos os dias inúmeros presos, por este Brasil afora, recebem o benefício, da liberdade condicional e da progressão de regime. Alguns, certamente, cometeram crimes também revoltantes. Mas, a partir do momento em que tenham cumprido a quantidade de pena que a legislação estabelece como necessária para que se possa pleitear o benefício, e satisfeitas as exigências previstas, não cabe ao juiz senão dar cumprimento à lei.

Não resta a menor dúvida de que Paula foi condenada por um crime bárbaro, cometido com requintes de crueldade, que a todos chocou profundamente, e ninguém, talvez, consiga aquilatar a verdadeira dimensão do sofrimento da mãe e familiares de Daniela Perez. Contudo, não podemos esquecer que a lei é feita para todos. Alguns a transgridem e, por isso mesmo, são castigados. Mas, se desejamos viver numa sociedade em que a lei seja respeitada, em que a lei valha para todo mundo, ainda que se discuta seu major ou menor rigor, não podemos censurar o juiz que nada mais fez do que aplicar a legislação de seu país.

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