Num único dia tomamos conhecimento de que o Fundo Nacional de Segurança Pública, do governo federal, perdeu 58% de suas verbas e a anunciada Força Tarefa que deveria reunir os esforços das Polícias Federal e Estadual para auxiliar nas investigações, não só da chacina da última semana, como da atuação regular de grupos de extermínio que afrontam o poder público na Baixada há anos, terá sua ação limitada à última tragédia.
E, para completar, ficamos sabendo que o presidente Lula afirmou que está determinando “à Polícia Federal e a todo o aparelho de inteligência da polícia brasileira que não descanse um minuto, um segundo, para que a gente coloque os autores desse crime abominável na cadeia”, referindo-se ao massacre de 30 homens, mulheres e crianças. Louvável a reação imediata do presidente da República, o único problema é que Lula parece desconhecer a quantas anda a “inteligência policial” no país.
Em primeiro lugar, mais do que causar indignação o corte no orçamento federal, das já minguadíssimas verbas para a Segurança Pública, chega a ser um escárnio em face dos vergonhosos níveis de criminalidade violenta no país. Orçamentos devem traduzir as prioridades de um governo. As verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública passam, agora, de R$ 412 milhões para R$ 170 milhões. Pasmem os leitores: os R$ 170 milhões que o governo federal está destinando à melhoria da segurança pública em todo o país significa, aproximadamente, 3% dos 6 bilhões que o estado de São Paulo deverá investir na área, apenas no ano em curso!
O presidente Lula elegeu-se defendendo um Plano Nacional de Segurança Pública, proposta de campanha do Partido dos Trabalhadores, que, em sua maior parte, jamais saiu do papel. E, para que tal plano tivesse se traduzido, de fato, em políticas públicas, o governo federal já teria que ter buscado fora as verbas que não tivesse encontrado aqui, seja junto ao Banco Mundial, seja junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, por exemplo.
A anunciada força-tarefa que deveria não só investigar a chacina, mas debruçar-se sobre o drama dos grupos de extermínio que atuam na Baixada fluminense, parece ter, no mesmo dia, se descaracterizado — vítima, talvez, da burocracia, das dificuldades de se delimitarem responsabilidades, formas de colaboração e, quem sabe, das vaidades.
E como anda a “inteligência policial” que o presidente Lula quer acionar? Ora, um dos pontos centrais do Plano Nacional de Segurança Pública era o investimento em polícia técnica. Só através da ingestão maciça de recursos para compra de equipamento sofisticado e para treinamento de policiais que atuam na área da perícia nos estados poderemos aumentar nossas taxas de esclarecimento de crimes.
Muito se discute sobre as causas da criminalidade e, embora não se negue que países com taxas de desigualdade altíssimas sejam aqueles mais violentos, não se pode negar, também, que a impunidade seja fator decisivo para o estímulo do cometimento de crimes. Talvez as autoridades federais não saibam, talvez os deputados e senadores também desconheçam, mas a taxa de esclarecimento de crimes no Brasil é assustadoramente baixa. No Rio de Janeiro, a polícia esclarece menos do que 4% dos homicídios que chegam ao seu conhecimento. Ou seja, de cada 100 assassinatos que acontecem neste estado, 96, pelo menos, ficam impunes. Existe maior estímulo ao cometimento de crimes do que este?
Vale lembrar, por último, que o descalabro na área da segurança pública no Rio de Janeiro, muito particularmente, é fruto, sobretudo, de uma visão equivocada de combate à criminalidade que pressupõe ser possível combater violência com violência, sem investimentos na área social nem reforma das instituições policiais. Enquanto as autoridades não decidirem expurgar da polícia fluminense a corrupção e a violência, através de pesados investimentos em recursos humanos e materiais para as Corregedorias e para fazer renascer a Ouvidoria de Polícia, que nem mesmo se pronunciou sobre a tragédia da Baixada, continuaremos assistindo à desmoralização de um governo submetido à vontade do crime.