Levantamento analisou 4 critérios para definir pontuação de 30 países; Noruega lidera
SÃO PAULO Com mais foco na repressão do que na saúde pública, o Brasil tem a pior política de drogas do mundo, segundo o Global Drug Policy Index, ranking inédito publicado neste domingo (7) que avalia a maneira como os países lidam com o tema.
Entre as 30 nações analisadas, o Brasil fica atrás de outras bem mais pobres, como Uganda, que tem um dos menores IDHs do mundo; com histórico de forte repressão, como a Indonésia, onde traficantes estão sujeitos a pena de morte; ou em guerra há décadas, caso do Afeganistão.
Na outra ponta, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Austrália tiveram as políticas de drogas mais bem avaliadas. O ranking é um projeto do
Harm Reduction Consortium (consórcio de redução de danos), que inclui entidades de pesquisa em drogas e redução de danos em todo o mundo, entre elas o IDPC (International Drug Policy Consortium) —que, por sua vez, reúne mais de 190 ONGs e é financiado, entre outros, por Open Society e UNODC (Escritório da ONU para Drogas e Crime).
A análise estabeleceu nota de 0 a 100 para cada país, de acordo com critérios como a existência ou não de pena de morte, descriminalização e financiamento
de políticas de redução de danos. A conclusão do ranking é que “a dominância global de políticas de drogas baseadas em repressão e punição levou a uma pontuação baixa em geral”.
A Noruega, país mais bem avaliado, somou 74 pontos; o Brasil, último colocado, 26. A média global foi de 48 pontos.
Quatro critérios foram levados em conta para dar a nota final.
O primeiro foi a ausência de respostas extremas por parte do Estado, como a pena de morte, para crimes envolvendo drogas. Três dos 30 países analisados usam o expediente: Índia, Tailândia e Indonésia—os dois primeiros, porém, não executaram nenhum preso nos últimos cinco anos, enquanto o governo de Joko Widodo colocou, só no ano passado, 214 pessoas na fila de execução.
A prevalência de assassinatos extrajudiciais por agentes da lei, por outro lado, foi registrada em uma série de países, como no México. Mas só no Brasil o
problema foi considerado endêmico. O ranking também apontou como sendo comum a internação compulsória de usuários de drogas, presente, em diferentes graus, em 25 das 30 nações avaliadas.
Ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro e ex-ouvidora da polícia, a socióloga Julita Lemgruber afirma que “a guerra às drogas, no Brasil, tem sido uma desculpa para a polícia matar jovens negros.
“Olhamos para os Estados Unidos e ficamos chocados com o número de pessoas negras mortas pela polícia, como no caso de George Floyd , que atraiu atenção e acendeu um movimento de rua”, diz. “Enquanto isso, no Brasil a polícia mata 4.000 pessoas por ano, a maioria pessoas negras e jovens, envolvidas no mercado de drogas.”
Em curva ascendente, o número de mortes em intervenções policiais no Brasil chegou a 6.416 em 2020, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O segundo critério do ranking foi a proporcionalidade do sistema de justiça, incluindo abusos cometidos dentro do aparato de justiça criminal em nome do
controle das drogas —como violência, tortura e prisões arbitrárias—, possibilidade de penas alternativas à prisão (presente em quase todos os
países) ou esforços para a descriminalização.
Oito dos 30 países descriminalizaram o uso e a posse de drogas para consumo próprio, entre eles Costa Rica, Portugal, Jamaica e África do Sul. A Austrália tem legislações do tipo em algumas regiões, assim como a Índia, no estado de Sikkim —que abriga menos de 1% da população do país.
Na África do Sul, a descriminalização do cultivo e do consumo privado da maconha se deu em 2018, após quase um século de proibição. A planta já era popular entre povos tradicionais desde antes da chegada dos primeiros europeus à região, usada na medicina tradicional e em práticas religiosas.
“O plantio era um conhecimento passado de geração em geração, do qual comunidades inteiras dependiam”, diz Philasande Mahlakata, ativista que advoga pelos direitos de pequenos produtores em Mpondoland, no leste do país. A proibição, segundo ela, queimou plantações e destruiu terras que não conseguem mais produzir comida como antes, além de ter forçado migrações e provocado aumento da violência.
No âmbito da saúde e da redução de danos, terceiro critério analisado, o estudo identificou que, “positivamente, a maioria das políticas e estratégias dos países
explicitamente apoia a redução de danos”.
O problema é tirar essas políticas do papel. O financiamento a serviços do tipo foi considerado adequado somente em cinco países: Canadá, Nova Zelândia, Noruega, Portugal e Reino Unido. O índice também aponta a desigualdade de gênero, orientação sexual e etnia no acesso a programas de redução de danos.
Por fim, o último critério analisado no ranking leva em conta o acesso a psicoativos de uso controlado para redução da dor. O levantamento aponta que países mais ricos contam com políticas de distribuição desses medicamentos, enquanto os mais pobres enfrentam falta de acesso a eles.
Ainda que no topo do ranking apareçam algumas das nações mais ricas do mundo, não é direta a associação entre renda e a efetividade das políticas de drogas. O Brasil, que integra o G20 e tem um dos maiores PIBs do mundo, por exemplo, está atrás de Uganda, Nepal e Moçambique.
“Há uma ligação entre renda e políticas de drogas em alguns aspectos, como acesso a medicamentos, mas em algum ponto a capacidade de resposta [às drogas] se desvincula do PIB”, diz Matthew Wall, da Universidade de Swansea, no Reino Unido.
Para Marie Nougier, do IDPC (International Drug Policy Consortium), “não é só uma questão de países ricos versus países pobres, mas de como os governos
escolhem alocar seus fundos”.