Em investigação contra irregularidades durante intervenção federal na segurança, ex-subsecretário de Administração Penitenciária é denunciado

Agentes cumprem mandado na sede, em Bangu, de uma das empresas investigadas na Operação Hiperfagia | Foto: TV Globo / Reprodução

Ministério Público e Polícia Civil encontram indício de fraude em contrato de alimentação ao Complexo Penitenciário de Gericinó

RIO — Pouco tempo após o afastamento do governador Wilson Witzel por suspeitas de desvio em contratos da saúde, o estado se vê em meio a mais uma denúncia de fraude nas contas públicas. Investigações do Ministério Público do Rio (MPRJ) e da Polícia Civil sobre fraudes em compras emergenciais da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap-RJ) durante o período de intervenção federal na segurança do Rio, em 2018, resulto, ontem, na Operação Hiperfagia, que teve três mandados de prisão, incluindo a do ex-subsecretário adjunto de Infraestrutura, Rafael Rodrigues de Andrade.

A denúncia, que corre sob sigilo, conseguiu evidências de irregularidade sobre um pregão público realizado no ano passado, ou seja, já após a intervenção federal, com o valor de R$350 milhões para o fornecimento de alimentação o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu.O contrato foi dividido em 22 lotes e parte das empresas vencedoras foram denunciadas. O grupo é suspeito de superfaturamento no preço dos alimentos oferecidos, por meio de pagamento a agentes públicos.

Em nota, a Seap informou que os servidores citados na denúncia já haviam sido exonerados. Também afirmou que a ação teve início a partir de investigação da própria Corregedoria da Seap, que colabora para que seja feita a devida apuração dos fatos. O ex-subsecretário, Rafael Rodrigues, foi exonerado quinta passada, um dia após decisão da juiza Luciana Mocco Moreira Lima, que determinou sua prisão.

Ainda houve 71 mandados de busca e apreensão, cumpridos no Rio, São Paulo e Espírito Santo, onde há sedes de algumas das empresas. Segundo o MPRJ, o grupo agia como um cartel para que fossem contempladas empresas envolvidas para os contratos de fornecimento de alimentos para o Complexo Penitenciário de Gericinó. Sendo assim, integrantes da Seap dificultavam a concorrência para os demais, segundo o MPRJ. Entre os crimes cometidos estão os de cartel, fraudes licitatórias e demais crimes contra a administração pública.

O esquema da organização

Os supostos integrantes do esquema, denunciados nesta operação, favoreciam os empresários envolvidos. A Comissão Permanente de Pregão da Seap-RJ e a pregoeira Joelma de Arruda Silva, uma das denunciadas, permitiam que fossem feitas alterações nas propostas apresentadas, substituindo documentos e apresentando dados falsos. Já os critérios para as demais concorrentes eram rigorosos, o que ocasionava desclassificação. Rafael Rodrigues foi denunciado por criar mecanismos para favorecer as fraudes.

Entre os investigados, está o empresário Anderson Sabino de Oliveira, apontado como suspeito de ser o articulador do grupo que fraudou a licitação do pregão eletrônico 001/2019. A filha dele, Juliana Sabino de Oliveira, responsável pela DJ Rio Distribuidora, seria uma das co-autoras do esquema. A empresa seria subcontratada de outras, como a Qualybem, Serv Food, Soluções Serviços Terceirizado e Guelli. Outra denunciada foi a Alimentação Global. Essas seis empresas participaram do pregão investigado do ano passado. Segundo dados do Portal de Transparência, elas já receberam R$695,3 milhões dos cofres públicos em contratos com diversas secretarias, mas especialmente a Seap, desde 2013, quando a primeira delas – a Guelli – começou a operar.

De acordo com a denúncia, também fazem parte da organização os empresários Marcelo Rodrigues de Souza, Anísio Gonçalves, Vagner Dantas, Sueli Monteiro Gentil, Emerson Freire Ramos, Ivo de Almeida Reis Neto, Flávia Cristina Aponte, Ricardo Barnabé, Luciano Erasmo Moreira, Ademir Pereira de Godoy, Gelson Grigoletto e Ederson Christian Alves de Oliveira. Emerson Freire Ramos é responsável pela empresa Alimentação Global Service, uma das principais fornecedoras de alimentação no Complexo, por meio de contratações emergenciais, no período anterior à realização do pregão, segundo o MPRJ.

Processo no TCE-RJ

Ano passado, o edital de contratação do serviço de alimentação foi alvo de processo no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Entretanto, após três sessões plenárias e pedidos do tribunal para que o edital passasse por modificações, o processo foi arquivado. Na sua decisão, o conselheiro Christiano Lacerda Ghuerren destacou que “a grande maioria dos itens” foi acatada pelo governo, e que houve redução de R$22 milhões no preço original do contrato. Não há registro de processos posteriores do TCE-RJ sobre o cumprimento do contrato.

A nova denúncia chega três anos após uma grande operação do MPRJ contra o que ficou conhecido como “Máfia das Quentinhas”, numa dinâmica semelhante à denunciada ontem. Na época, 30 pessoas foram denunciadas, incluindo o empresário Arthur César de Menezes, conhecido como Rei Artur.

Especialistas comentam

Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, a socióloga Julita Lemgruber, que já dirigiu o sistema penitenciário do Rio no início da década de 90, falta ao estado efetivos mecanismos de controle para combater a corrupção.

— Quando fui diretora, parte das unidades prisionais tinham cozinha e presos faziam a refeição, e outras  recebiam quentinhas. Em ambos os modelos houve denúncia de corrupção. Mas nós tínhamos uma corregedoria atuante, que impediu a formação de uma rede de desvios. Hoje vemos que corregedorias, por exemplo, das polícias, são comprometidas com os policiais. O poder público precisa ter órgãos de controle mais efetivos, e que atuam com independência — afirmou a socióloga, que destacou ainda a extinção da Ouvidoria da Polícia, promovida pelo governador afastado Wilson Witzel.

Já a antropóloga da UFRJ e especialista em segurança pública, Katia Mello, explica que falhas estruturais no sistema penitenciário do Rio favorecem a corrupção.

— O sistema no Brasil deveria ser uma unidade, mas aqui é tudo fragmentado. Não temos transparência, desde a situação dos direitos do preso à prestação de contas sobre compras com dinheiro público —  afirma Katia, que ainda critica pressão atual para privatização de presídios no Brasil, o que aumentaria o tipo de modelo que existe hoje, e que não funciona.

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