RIO – Dono de uma das vistas mais belas da Baía de Guanabara, o Morro dos Prazeres, no alto de Santa Teresa, arranca suspiros de moradores e turistas, já foi tema de filme e até inspirou compositores. O belo visual e as opções de turismo e gastronomia, no entanto, podem não ser suficientes para manter o local na lista de favoritos de quem chega ao Rio para conhecer cada cantinho da cidade.
No último ano, constantes tiroteios têm tirado o sono e até a vida de quem passa pela região. Entre janeiro de 2016 e fevereiro deste ano, pelo menos quatro moradores e turistas foram baleados: três morreram.
O aumento da rotina violenta na região já é expresso em números oficiais. Só no primeiro semestre do ano passado (dados mais recentes), segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), foram 21 tentativas de homicídio naquela comunidade. O número só é menor se comparado à soma dos registros entre os anos de 2008 e 2015, quando 22 tentativas de homicídio foram contabilizados.
A atuação de criminosos na região e os confrontos com policiais da Unidade de Polícia Pacificadora, afirmam moradores, viraram rotina. Situação que já não se via com tanta frequência entre 2011 (quando a UPP foi instalada) e 2015. Em todo o bairro, a letalidade violenta – que inclui homicídio doloso e por intervenção policial, além de lesão corporal seguida de morte – passou de dois casos em 2013 para 25 em 2016, que só no primeiro semestre registrou quatro mortes decorrentes de intervenção policial. Taís de Souza Santos, de apenas 13 anos, faz parte desta estatística.
A adolescente foi atingida por um tiro na nunca em janeiro do ano passado, durante um confronto no Morro dos Prazeres. A jovem estava em casa e buscava refúgio dentro do quarto quando foi ferida. Taís chegou a ser socorrida no hospital, mas teve a morte cerebral confirmada uma semana depois.
No início deste ano, outra moradora foi vítima foi morta durante confronto na região. Thayssa da Silva Matos, de 16 anos, foi atingida na barriga quando chegava da praia. Ela estava à caminho da casa da avó na localidade conhecida como Uga-Uga, que fica perto a Rua Gomes Lopes, um dos principais acessos ao morro. A jovem também foi socorrida no hospital, mas não resistiu. A família afirma que até hoje não houve perícia do caso.
— Eles não vieram fazer a perícia no dia e até hoje, quase dois meses depois, ninguém apareceu e nem todas as testemunhas foram ouvidas. Os policiais pedem para aguardar porque estão em greve — disse Cintia Regina dos Santos, mãe da vítima, que planeja sair da comunidade: — Está sendo muito difícil superar o que aconteceu com a minha filha. E aqui está muito perigoso, é tiroteio toda hora e as crianças não podem nem mais brincar — lamentou.
Procurada, a Polícia Civil informou apenas que a perícia não foi realizada porque a vítima foi socorrida e o local do crime não foi preservado.
TURISTAS SÃO BALEADOS AO SEGUIREM ROTA DE GPS
Outros casos envolvendo turistas chamaram a atenção da população e da polícia. Em dezembro do ano passado, o italiano Roberto Bardella, de 52 anos, foi alvejado por criminosos quando entraram na comunidade por engano. Ele e o primo Rino Polato, de 59 anos, estavam em duas motocicletas em direção à Praia de Copacabana. Eles faziam um tour pela América do Sul, e haviam acabado de sair do Cristo Redentor quando, guiados por GPS, acabaram entrando na favela. Os bandidos teriam confundido a vítima com um policial, já que usava uma câmera no capacete. O caso ganhou repercussão internacional.
Acompanhada do marido e de um casal de amigos espanhóis, a argentina Natália Cappetti, de 42 anos, foi atingida por um tiro nas costas quando o grupo, de carro, também entrou na comunidade por engano. Eles queriam chegar ao Cristo Redentor e o GPS instruiu aquele caminho. A turista teve lesão na veia cava e no fígado. Ela passou por cirurgia no Hospital municipal Souza Aguiar, no Centro, onde permanece internada em estado grave. Nesta quinta-feira, segundo a Secretaria municipal de Saúde, ela apresentou leve melhora mas permanece no CTI.
EM 2016, ROUBOS CRESCERAM 45% EM SANTA TERESA
Nos últimos anos, o número de roubos em Santa Teresa cresceu. Só no ano passado foram 843 casos registrados no bairro, um aumento de 45% em relação a 2015, que somou 580. Nos anos anteriores, foram 565 casos em 2013 e uma leve queda em 2014, com 515 registros na 7ªDP (Santa Teresa).
Os números acabam afastando a chegada de novos hóspedes aos hotéis do bairro. O Hostel Santa Terê, por exemplo, onde os clientes são 99% europeus, não atingiu lotação máxima neste carnaval. Segundo a gerente do estabelecimento, Lu Gomes, a insegurança em Santa Teresa e em bairros próximos prejudica os negócios.
— Nós tínhamos a oportunidade lotar 100% das nossas instalações durante esse carnaval, mas só atingimos 78%. Muitos dos nossos hóspedes relataram roubos na Lapa, por exemplo. Infelizmente, a insegurança na cidade e os problemas políticos noticiados no exterior tem provocado a desistência dos turistas.
Os grupos de estrangeiros que faziam tour pela região acabaram. Um guia turístico que mora no Morro dos Prazeres e preferiu não ser identificado trabalhou durante quatro anos no ramo, mas suspendeu a atividade quando percebeu que não poderia garantir a integridade física dos visitantes.
— O último grupo que guiei foi em novembro de 2015. No fim daquele ano, tivemos problemas de segurança pública, mas pensávamos que seria esporádico. No entanto, em 2016, os tiroteios viraram rotina. Nessa instabilidade, eu estaria suscetível e colocando as pessoas em risco.
INVESTIGAÇÕES
A 7ª DP (Santa Teresa) instaurou um inquérito para apurar a associação criminosa de jovens que atuam na região. Pelo menos cinco bandidos do Morro dos Prazeres e do Fallet já foram identificados a partir de um vídeo divulgado nas redes sociais em janeiro, onde um grupo de criminosos fortemente armados aparecia em um baile funk no Morro do Turano, na Tijuca, comunidade de mesma facção.
De acordo com o delegado titular Orlando Zaconne, existe uma disputa de território por parte de facções rivais, o que acaba agravando a insegurança no local.
— Aquela é uma região com conflito bélico, onde há a disputa de facções armadas e ainda agrega a entrada da polícia para conter essa ‘guerra’. Ali é uma área que ficou vulnerável a isso, o que pode explicar um pouco a forma de como o tráfico tem atuado principalmente com a entrada de pessoas estranhas.
A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) informou que está trabalhando através do Setor de Inteligência para identificar e prender criminosos responsáveis pelos confrontos e roubos na comunidade, inclusive com o apoio do Comando de Operações Especiais (COE), que tem realizado operações frequentes na região. O patrulhamento na comunidade do Prazeres, de acordo com o comando da UPP local, é realizado com o apoio de viaturas, algumas baseadas diuturnamente em pontos estratégicos mapeados pela Unidade. Há ainda o reforço do batalhão que cobre a área de Santa Teresa nos pontos de acesso. A CPP pede que moradores denunciem a ação de bandidos na região, através do Disque-Denúncia (2253-1177) ou do serviço 190.
‘UM DOS LUGARES ONDE A UPP FOI MAIS BEM SUCEDIDA’
A integração entre policiais militares e moradores, que trouxe muitos investimentos ao Morro dos Prazeres, foi o resultado da proposta da UPP: proximidade. Para a socióloga e especialista em segurança pública, Silvia Ramos, a unidade é símbolo do que teve de melhor para o período em que as UPPs eram bem sucedidas.
— Ali houve investimentos de empresas, projetos esportivos, retomada de áreas degradadas. Houve, de fato, uma integração. É um dos lugares onde a UPP foi mais bem sucedida.
Para o ativista social, Charles Siqueira, é hora de reavaliar o projeto:
— Acredito que o projeto da UPP deve ser avaliada e rediscutida em cada contexto. Longe de declarar o fim dessa política, dos anos de investimentos (a maioria não públicos) e dos resultados positivos para os quais colaborou em muitas comunidades. Hoje precisamos estimular o real diálogo e o fortalecimento comunitário se quisermos um futuro pacífico. Todos (comunidade, polícia e o bairro como um todo) precisamos amadurecer e nos distanciar de lógicas impermeáveis e polarizadas, onde enxergamos o outro unicamente como inimigo a ser eliminado.