Uma polícia fatal

Número de mortes provocadas por policiais no Rio é 3,6 vezes maior que em São Paulo

Policiais do Rio mataram em supostos confrontos 520 pessoas no primeiro semestre deste ano, uma média de três vítimas por dia. De janeiro a junho, a polícia paulista foi responsável por 290 mortes, contando o mês de maio, quando São Paulo enfrentou uma série de atentados de uma facção criminosa. Segundo cálculos do matemático Tristão Garcia, levando-se em consideração a população e o número de policiais dos dois estados, a polícia do Rio matou 3,6 vezes mais do que a polícia de São Paulo no primeiro semestre.

A diferença também foi grande no primeiro semestre do ano passado. Enquanto a polícia fluminense matou 501 pessoas em confrontos, a de São Paulo contabilizou 149 — menos de um terço.

A comparação entre os números de autos de resistência (termo usado para designar as mortes em supostos conflitos) registrados no primeiro semestre de 2005 e no mesmo período de 2006 no Rio mostra aumento de 3,7%. Um percentual pequeno, se for confrontado com os índices dos últimos cinco anos. Em 2000, por exemplo, foram registradas 427 mortes em supostos conflitos com a polícia. Em 2005, o número de vítimas saltou para 1.098, um aumento de 157%.

A análise das estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio revela que apenas três batalhões da PM foram responsáveis por 189 mortes, 36% do total de vítimas em supostos tiroteios com a polícia no primeiro semestre deste ano. No topo da lista aparece o 9º BPM (Rocha Miranda), com 83 mortes. No ano passado, o batalhão também encabeçou o ranking, com 128 vítimas.

Niterói tem menos mortes em 2006

Em segundo lugar ficou o 15º BPM (Duque de Caxias), com 54 mortes, seguido pelo 3º BPM (Méier), que registrou 52 autos de resistência. Os dois batalhões mantêm as mesmas posições no ranking de 2005. Ano passado, policiais do batalhão de Caxias mataram 122 pessoas em tiroteios. Já a unidade do Méier teve 89 mortes.

Em contrapartida, os dados do ISP indicam uma redução significativa no número de autos de resistência computados no 12º BPM (Niterói). O batalhão terminou 2005 ocupando a quarta colocação no ranking de mortes em confronto, com 84 casos. No primeiro semestre deste ano, no entanto, policiais da unidade mataram 16 pessoas em supostos tiroteios. A quantidade equivale à metade dos casos registrados no mesmo período de 2005.

O alarmante crescimento, na verdade, pode ocultar casos de execução sumária. A versão é reforçada através da análise do perfil das vítimas de autos de resistência. Pesquisa elaborada entre os anos de 1993 e 1996 mostra que, naquele período, 65% das vítimas foram mortas com tiros nas costas e na nuca; e 46,5% foram atingidos por pelo menos quatro disparos.

Para evitar que execuções acabem computadas como autos de resistência, a psicóloga e pesquisadora Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes, defende o aumento dos mecanismos de controle. A pesquisadora cita o exemplo de São Paulo, onde as mortes em confronto vêm caindo anualmente.

Apesar do alto índice, a Corregedoria Interna da PM afirma não ter dados específicos sobre policiais militares punidos por excessos praticados nos supostos confrontos que resultaram em mortes. O comandante-geral da PM, coronel Hudson de Aguiar Miranda, argumenta que cabe à Polícia Civil e ao Ministério Público investigar o uso dos autos de resistência para acobertar possíveis execuções.

Para tentar diminuir o alto índice, no entanto, a PM está criando um programa de computador que vai cruzar informações relacionadas ao número de tiros disparados por PMs nas operações, a identidade dos envolvidos e os casos recentes. Com base nas informações, a corregedoria vai elaborar relatórios mensais. Os policiais serão encaminhados para avaliação psicológica, treinamento de tiro e até exclusão, dependendo do resultado do trabalho.

Hudson de Aguiar Miranda reclama da comparação com os números de São Paulo. O coronel argumenta que os traficantes fluminenses usam armas de guerra e reagem à aproximação da PM.

— Basta verificar o número de policiais mortos. Até julho, por exemplo, foram assassinados em serviço 18 PMs — afirma Hudson.

O comandante ressalta ainda a quantidade de armas de grande porte apreendidas pela PM, no Rio. No primeiro semestre, segundo o oficial, foram recolhidas 7.603 armas, além de 577 granadas.

Primeiro Caderno
Editoria Rio, Edição 2, Página 10

versao para impressão

Mais Participações