A Rede de Observatórios da Segurança analisou 1.823 casos de violência contra a mulher em cinco estados — Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo— e constatou o desolador número de cinco casos diários nessas regiões durante 2020. Desse total, foram 449 feminicídios. Em ao menos 58% desses casos, os criminosos eram maridos, namorados ou ex-companheiros da vítima.
E mais: 41% dessas mortes foram provocadas após uma briga ou o fim do relacionamento. Ou seja: a maior parte dos criminosos tinha relação com a vítima e a matou em decorrência dela. Segundo o boletim, houve picos nos números de violência de gênero após o isolamento social devido à pandemia de coronavírus, justamente porque as vítimas estão mais em casa, com o agressor.
“Quando a gente está no processo de monitoramento e se depara com esse tipo de violência, nos colocamos no lugar dessas vítimas. E é devastador, principalmente quando a gente vê a motivação e como o crime foi executado. Parece que esse ciclo segue hoje e amanhã e depois. É uma guerra que a gente vai tendo internamente”, avalia a pesquisadora Dália Celeste, do Observatório da Segurança em Pernambuco.
200 feminicídios em São Paulo em 2020
Em São Paulo, estado mais populoso entre os cinco analisados, foram levantadas 200 mortes de mulheres em 2020 segundo os pesquisadores. É o local que concentra 40% dos casos monitorados pela rede. O Rio de Janeiro é o segundo. A compilação desses números gerou o boletim “A dor e a luta: números do feminicídio”, lançado nesta quintafeira (4). A Rede é um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Dos cinco registros de crimes contra mulheres por dia —eles representam 10% do total das 18 mil notícias de violência levantadas pelo grupo—, o feminicídio e a violência contra mulher ocupam o terceiro lugar entre o levantamento geral de crimes que a Rede analisou, atrás apenas de eventos com armas de fogo e ações policiais.
“Enquanto sociedade, o que a gente pode fazer é cobrar do governo atendimento mais emergencial em relação à proteção das mulheres. Elas estão em contato diário com seus agressores e muitas das vezes não conseguem fazer a denúncia por completo”, afirma Dália.
Universa está entre as fontes de dados
Os dados são produzidos a partir de um monitoramento do que é noticiado na imprensa e redes sociais sobre violência e segurança, em parceria com a plataforma Fogo Cruzado, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Monitor da Violência.
Todos os dias, as pessoas envolvidas conferem dezenas de veículos de comunicação, entre eles Universa, coletam informações e alimentam um banco de dados, posteriormente revisado e consolidado. São oito categorias de crimes contra mulheres: tentativa de feminicídio e feminicídio são os maiores registros.
Dados divergem dos registros oficiais
Os dados levantados pela rede para três estados —São Paulo, Pernambuco e Ceará— são maiores do que os dados oficiais divulgados pelas secretarias de Segurança Pública. Em São Paulo, a organização avaliou 200 casos ante os 179 registrados em boletins de ocorrência. No Ceará verificou-se 74% mais feminicídios que os dados oficiais do estado (47 ante os 27 do governo). Em Pernambuco foram identificados 82 assassinatos contra 75 registrados.
Para Dália, essa divergência de dados reflete o apagamento desse tipo de violência e sua subnotificação. “Muitas das vezes a gente se depara com feminicídio e classificado como homicídio doloso, por exemplo. No Ceará foram quatro casos de mulheres trans executadas de forma brutal em um mês, e no relatório anual do governo informa que não teve caso de lgbtfobia”, ela exemplifica, ao observar a falta de dados sobre transfeminicídios.
O boletim destaca também a falta de informações que permitiriam, por exemplo, traçar um perfil mais completo sobre as vítimas. Não foi possível levantar o quantitativo exato de mulheres negras que morreram vítimas de violência de gênero, já que somente 26 casos permitiam essa identificação. Ou das que moram no interior, locais em que muitas vezes não tem sequer uma delegacia de polícia.
“Existe um apagão de mortes de pessoas negras e periféricas, e é importante que a mídia chame mais atenção de
quantas mulheres estão sendo executadas no interior”, indica Dália.