Os pesquisadores Silvia Ramos, Anabela Paiva e Pablo Nunes iniciaram em 2016 uma pesquisa intitulada “Mídia e Violência, o que mudou em dez anos?”, traçando comparações entre as coberturas jornalísticas do início dos anos 2000 com a atual. Um ponto de destaque da pesquisa foi o papel das mídias sociais na produção e circulação diária de informações sobre crime e violência e a relação desses com os jornais tradicionais.
No contexto de retração dos jornais impressos e o avanço da internet no Brasil nos últimos anos, novos fenômenos de consumo e produção de informações têm se estabelecido, especialmente a partir de redes sociais. No entanto, o acesso à internet não é universal. Para se ter uma ideia, em 1993, menos de 1% da população mundial tinha acesso à internet. Em 2005, essa proporção era de mais de 15% e, em julho de 2017, 51% já estavam conectados de alguma maneira. No Brasil, os dados indicam um salto de 17% em 2005 para 65,9% em 2017. Já na Região Metropolitana do Rio, quase um terço da população não tem acesso regular. Em 2015, das pessoas com 10 anos ou mais, 30% não tinham acessado à internet nos 3 meses anteriores à pesquisa realizada pelo IBGE e 16% não tinham celular (PNAD, 2015).
Diante disso, o pesquisador Pablo Nunes resolveu investigar o fenômeno tipicamente carioca das páginas de bairro no Facebook. Foram 156 páginas que tiveram seus conteúdos analisados, procurando entender as características do conteúdo publicado, os tipos de postagem que possuem maior interesse dos leitores, bem como a relação que elas estabelecem com outras páginas na rede social. Os dados já apurados pelo pesquisador mostram que a produção de notícias sobre violência e segurança continua a focalizar preferencialmente os territórios ditos “nobres”, onde se concentram os leitores da mídia tradicional.
Algumas postagens que pretendem denunciar locais violentos a título de autoproteção dos seguidores, acabam por fomentar o comportamento de “justiçamento”, uma vez que é comum encontrar nas postagens fotos de “suspeitos”. Isso é bastante grave e importante de ser observado. O fenômeno é relevante no contexto dos estudos sobre mídia e violência e justifica o monitoramento dessa prática em um cenário onde vemos crescer o conservadorismo na sociedade.
Um outro tipo de análise relevante para se conhecer o universo pesquisado pode ser feito por meio de grafos, que são recursos para mensurar a interação entre as páginas, construindo visualmente “mapas de afinidades” a partir das curtidas de cada página em outras, dentro ou fora desse universo. Os grafos são compostos por dois elementos fundamentais: os nós, que representam cada caso estudado (nessa análise são as páginas do Facebook); e as arestas que representam a ligação entre os nós (nesse estudo, a ação de curtir é a que estabelece a relação entre os as páginas). Abaixo temos as conexões entre as 156 páginas analisadas diretamente na pesquisa, a análise da interconexão entre as páginas selecionadas permite observar que, embora ‘hiperlocais’, elas não estão isoladas ou desconectadas.
Hoje, a grande maioria dos brasileiros (90%) se informa por meio de fontes online, em grande parte (66%) nas redes sociais, segundo o último relatório do Reuters Institute (Newman et al. 2017). Não à toa, movimentos especializados em difundir notícias falsas, como o MBL por exemplo, cresce de modo significativo no país, ancorado em uma postura manipuladora, reacionária, moralista e atrasada.
Não que a mídia convencional informe com fidelidade real os fatos cotidianos, mas estamos assistindo diariamente o prejuízo que pode gerar para a democracia uma mídia monopolizada por poucas famílias que apenas defendem interesses de mercado. Além disso, de acordo com o artigo de Pablo Nunes, que é pesquisador do CESeC e doutorando do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp-UERJ), diferente do que se previa – que a internet possibilitaria a quebra de barreiras físicas, geográficas e identitárias – vemos que é nesse espaço onde o bairrismo se consolida, onde comunidades se formam, laços com o espaço geográfico são fortalecidos e diferentes identidades encontram expressão. É a partir deste diagnóstico que o Facebook muda sua missão institucional de “tornando o mundo mais aberto e conectado” para “dar às pessoas o poder de construir comunidades e aproximar o mundo”.
A pesquisa “Mídia e Violência, o que mudou em dez anos?” está em fase de finalização e será divulgada nos próximos meses. No entanto, já é possível conferir o artigo completo aqui: CRIME E POLiCIA NO #RIODEJANEIRO RELATOS EM PaGINAS DO FACEBOOK_CESEC_RELATORIO_24_20OUT