Roberto Carlos Moura Pinto, 50, estava a caminho da igreja com a mulher, em uma favela de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, quando foi atingido por uma bala perdida. Além dele, outras duas pessoas foram baleadas no mesmo dia e horário: às 20h de 24 de setembro deste ano
Os três morreram. A PM realizava uma operação contra o tráfico de drogas na região. Segundo a corporação, os policiais foram recebidos a tiros e revidaram. A Polícia Civil investiga se Roberto Pinto foi atingido por um disparo de um policial ou de um criminoso.
Com as vítimas de São Gonçalo, 57 pessoas foram mortas a tiros em 16 chacinas diferentes com participação direta de policiais, entre agosto e outubro deste ano. Foram 14 chacinas do tipo no Rio de Janeiro e outras duas em São Paulo. Os dados são da Rede de Observatório da Segurança, que divulgou o estudo “Retratos da Violência” hoje.
São consideradas chacinas três ou mais mortes violentas no mesmo local e horário. Como base de comparação, houve outras nove chacinas no Rio de Janeiro e outras três em São Paulo no mesmo período sem participação direta de policiais. Ainda houve registros de quatro chacinas na Bahia, uma no Ceará e outra em Pernambuco, de acordo com o relatório, ambém sem ligação com policiais. Nesses casos, 54 pessoas morreram.
“Verificamos que fatos ligados às polícias representam mais de 60% das ocorrências, seja em fatos ligados a operações policiais, violência policial e também de vitimização dos próprios policiais”, afirma a socióloga Sílvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
“Policiais em diferentes partes do Brasil estão se tornando um problema de segurança e não uma solução.
Sílvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania).
Para o pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP e que participou do relatório, Bruno Paes Manso, são dois movimentos importantes: “Ao mesmo tempo que São Paulo e Rio têm conseguido reduzir homicídios, a polícia não consegue controlar a letalidade. E as chacinas praticadas por policiais quase nunca são investigadas, porque o testemunho dele é o suficiente para justificar”.
Segundo a PM de São Paulo, entre janeiro e agosto deste ano, a letalidade policial reduziu de 642 para 506. O governador João Doria (PSDB) afirmou que a redução da letalidade policial no estado “pode acontecer, mas não é uma obrigatoriedade”. Já no Rio, até agosto de 2019, 1.249 pessoas foram mortas pela polícia. Ou seja, 72% a mais do que no mesmo período do ano passado (723).
Em cinco meses de monitoramento, de junho a outubro de 2019, a Rede de Observatórios da Segurança registrou 4.764 fatos relacionados à segurança pública e à violência nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. De acordo com o relatório divulgado hoje, a taxa de homicídios de jovens negros é oito vezes maior do que a da população branca, incluindo nas chacinas.
“Frequentemente, policiais se envolvem em agressões fora de serviço e abusos de autoridades. A participação de policiais em chacinas é o caso mais extremo de violência policial. Além disso, temos que lembrar que fenômenos de milícias e grupos de extermínio muitas vezes têm participação de policiais, mas isto não aparece nos fatos, só depois de investigações”, aponta o documento.
De acordo com o coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, Pablo Nunes, o fato de quase metade das chacinas terem envolvimento de policiais traz à tona “algo muito preocupante. E que tem ganhado base em declarações de governantes que dizem, por exemplo, que é ‘para atirar na cabecinha'” —caso do mandatário fluminense, Wilson Witzel.
“É preciso que os governantes coloquem a defesa de todas as vidas em primeiro lugar.
Pablo Nunes, coordenador da pesquisa.
“A prática de participação de policiais em mortes violentas no Rio de Janeiro é cultural. Na capital, principalmente, se espalhou pela Baixada. E, agora, também no interior do estado, em municípios antes pacatos”, exemplifica o pesquisador.
Procurada, a Seseg-RJ (Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro) não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Por nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que “não comenta pesquisas cuja metodologia desconhece”.A pasta também disse que “não compactua ou tolera qualquer desvio de conduta de seus agentes” e que demitiu 55 policiais militares e expulsou 107 por “agirem em desacordo com as normas da corporação”.