O que os cariocas pensam da frase: ‘bandido bom é bandido morto’

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Grupo de acadêmicos testa bordões da segurança pública com 2.353 moradores do Rio. Rechaço à execução sumária é alto, mas aos direitos humanos também

A maioria dos cariocas rejeita o bordão “bandido bom é bandido morto”, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) da Universidade Cândido Mendes, sob coordenação dos pesquisadores Julita Lemgruber, Leonarda Musumeci e Igna​cio Cano.

O estudo – feito entre março e abril de 2016 e tornado público nesta quarta-feira (5) – traz uma amostragem científica, estimada a partir de entrevistas com 2.353 moradores da cidade do Rio, acerca de alguns dos temas mais presentes e mais polêmicos da segurança pública e dos direitos humanos.

A divulgação acontece num contexto de acirramento do debate sobre a violência policial. No dia 30 de março, dois PMs foram filmados executando a tiros dois suspeitos feridos, após uma troca de tiros na frente da escola pública Daniel Piza, em Costa Barros, subúrbio do Rio. No mesmo dia, uma estudante de 13 anos morreu dentro da mesma escola, na qual estudava. Ela foi vítima de uma bala perdida.

Episódios como esses são comuns na cidade – sobretudo na periferia – e levantam questões sobre os limites da ação policial e do modelo de segurança pública e de Justiça que os cidadãos vivenciam no Brasil.

O que a pesquisa tenta captar é a visão dos cariocas a respeito dessas questões, estratificando as respostas por critérios como gênero, religião, faixa etária e renda, entre outras.

Maioria rejeita direitos humanos

Além do bordão “bandido bom é bandido morto” e da análise sobre a atuação da polícia, o grupo também questionou a aceitação ou rechaço aos direitos humanos, de maneira mais ampla. Nesse caso, 73% dos entrevistados disseram que “​​a defesa dos direitos humanos é incompatível com o controle da criminalidade”.

Para 56%, quem defende os direitos humanos defende bandidos. A expressão “direitos humanos” é empregada de maneira genérica para se referir ao mais básico e universal conjunto de normas que protege a vida e a dignidade humana, codificado em 1948, pouco depois da Segunda Guerra Mundial, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual o Brasil é signatário.

Os pesquisadores notaram a contradição entre rechaçar a execução de bandidos (60%) e, ao mesmo tempo, se opor aos direitos humanos (73%).

“Na verdade esses conceitos deveriam ser complementares”, diz Lemgruber. “Mas houve, durante sucessivos governos, uma má condução do tema, causando uma ruptura entre as duas ideias, o que é extremamente prejudicial para a sociedade.”

A pesquisadora disse ao Nexo que “há uma clara falta de compreensão sobre o significado do termo ‘direitos humanos’, pois outros percentuais da pesquisa mostram claramente que os entrevistados rechaçam o que está, na prática, contra os direitos humanos”. “Nós, que trabalhamos com essas questões, temos de receber isso [o rechaço de 73%] como um alerta, um aviso de que é preciso trabalhar a expressão ‘direitos humanos’ no Brasil, de maneira a divorciá-la definitivamente da ideia de que se trata de defender privilégios para bandidos”, disse Lemgruber.

Números nacionais de 2015 são mais preocupantes

Pesquisa nacional publicada em outubro de 2015 mostrou que 50% dos brasileiros concordam com a frase “bandido bom é bandido morto”. Outros 45% discordam, e 5% não sabem ou não quiseram responder. Os dados constam em pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O instituto ouviu na ocasião 1.307 pessoas em 84 cidades com mais de 100 mil habitantes. Entre pessoas com mais de 60 anos de idade, 65% concordam com a frase. O índice mais baixo está entre as pessoas com idade entre 16 e 24 anos. Neste grupo, 53% discordam da afirmação.

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