Observatório do CESeC analisa os dois primeiros meses da ação e conclui que a situação da violência piorou no estado
RIO – Em dois meses de intervenção federal no Rio, período em que foram realizadas 70 operações com o emprego de 40 mil militares, 25 pessoas morreram e 140 armas foram apreendidas, sendo 42 fuzis. De acordo com o primeiro relatório do Observatório da Intervenção, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes, a violência no estado nestes 60 dias só cresceu. Sob o título “À Deriva – Sem Programa, Sem Resultados, Sem Rumo”, o documento produzido em parceria com organizações sociais de direitos civis e de direitos humanos analisa que, além de não resolver a questão da segurança, casos graves como chacinas estão recrudescendo.
— A intervenção não veio solucionar o problema da violência e, talvez, até tenha criado outros novos, que não tínhamos — afirmou a coordenadora do CESeC, Sílvia Ramos.
O Observatório comparou os dois meses anteriores à intervenção com os dois meses posteriores. De acordo com o estudo, o número de chacinas dobrou no período: foram 12, com 52 vítimas nos dois meses posteriores ao início das ações federais, contra seis chacinas, com 27 mortos antes da intervenção.
De acordo com a conclusão publicada no relatório, “a existência de vítimas múltiplas em episódios de intervenção policial e de confronto de facções criminosas pode estar se tornando uma marca deste novo momento do Rio sob intervenção, o que exigirá um monitoramento com foco nesse fenômeno”.
Entre os mortos pós intervenção estão os cinco jovens que davam aulas de hip-hop para crianças em Maricá, além dos oito executados em uma operação na Favela da Rocinha. Os pesquisadores também analisaram outros dados de violência. De 16 de fevereiro a 16 de abril deste ano, os tiroteios e casos de balas perdidas aumentaram. Segundo o estudo, dois meses antes da intervenção ocorreram 1.299 tiroteios, contra 1.502 após o início da ação do governo. O número de mortos também aumentou de 262 para 284.
A análise do Observátorio questiona inclusive o motivo da intervenção no estado. Na apresentação do relatório, Silvia Ramos destacou que a intenção do estudo foi tentar entender o que aconteceu no carnaval de 2018, para que fosse decretada uma intervenção às pressas, já ” sem força no Congresso para aprovar a reforma, o governo apostou as fichas em uma intervenção que permitiu ao Planalto a abandonar essa pauta, pois a Constituição proíbe a votação de propostas de emenda constitucional durante períodos de intervenção”.
O estudo lembra ainda que a decisão de intervir no Rio aconteceu após de um carnaval caótico, mas que a situação no Rio, como em outros estados no país, foi ainda mais grave, e não justificou a intervenção: “O Brasil já experimentou situações mais tensas de desordem urbana do que o carnaval de 2018, como a onda de saques em Vitória (2017), as séries de mortes a partir de motins em presídios em estados do Nordeste (2016, 2017 e 2018) e os ataques do PCC em São Paulo (2006). No Rio de Janeiro, o estado atravessou fases mais difíceis no fim dos anos 1990 e em 2002, com taxas de homicídio muito maiores que os atuais e graves ataques por facções”.
O relatório destacou ainda dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em que o Rio de Janeiro não está entre os classificados com as piores taxas de criminalidade. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, o estado está em 11º lugar em relação aos homicídios – no Rio, a taxa é de 37,6 por 100 mil habitantes, contra 60 por 100 mil em Sergipe.
Segundo o Observatório, a intervenção federal não resolve os problemas estruturais que se acumularam durante anos e pode introduzir novos dilemas em quadro já complexo. Sendo a intervenção “a antítese dos esforços continuados e estruturados necessários para enfrentar os desafios da violência no estado, que se agravam desde os anos 1980”.
O relatório também aponta a falta de informções sobre os custos das operações desde o início da intervenção e concui que interesses políticos motivaram a decretação da intervenção. Alerta, ainda, que havia outras soluções adequadas, como medidas rigorosas de controle da corrupção, investimentos a longo prazo em investigação e inteligência, prioridade para a retirada de fuzis e outras armas:
Em nota, o Gabinete da Intervenção afirma que está dedicado aos objetivos de diminuir os índices criminais, e que medidas emergenciais estão sendo tomadas: “O Gabinete de Intervenção Federal está dedicado aos objetivos estabelecidos de diminuir progressivamente os índices de criminalidade e fortalecer as instituições da área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Medidas emergenciais e estruturantes estão sendo tomadas e serão observadas ao longo do período previsto de Intervenção Federal, conforme decreto nº 9.288 de 16 de fevereiro de 2018”.
A apresentação do relatório ocorreu nesta quinta-feira e contou com a presença de representantes de diversas entidades como Anistia Internacional, Fogo Cruzado e Defezap (movimento criado para denunciar violações de direitos humanos por agentes públicos) e de personalidades como o desembargador Siro Darlam e o deputado estadual Carlos Minc. Durante a apresentação, foi feita uma homenagem à vereadora Marielle Franco, que participou do lançamento do Observatório.