Especialistas vêm procurando entender o que explica a impressionante queda dos homicídios no estado de São Paulo (72% em sete anos) e admitem que as causas são muitas e ainda é difícil estabelecer o peso de cada uma. O mesmo acontece nos Estados Unidos, que experimentaram extraordinária queda de todos os índices de criminalidade violenta e, também, de crimes não violentos, ao longo da década de 1990. Por enquanto, o caso norte-americano está muito mais bem documentado do que o caso paulista, e sua análise merece atenção.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a queda da criminalidade aconteceu em todos os Estados Unidos e não foi apenas um fenômeno de Nova York, embora naquela cidade a queda dos índices tenha sido maior do que no resto do país. Aconteceu em zonas rurais e urbanas, em cidades maiores e menores.
Os estudiosos parecem concordar que as variáveis que explicam a queda são, basicamente: 1) Mudanças na pirâmide demográfica. O estoque de jovens na faixa dos 15 ao 24 anos (faixa etária que mais se envolve com o crime) diminuiu consideravelmente no período. 2) Investimentos na polícia. Durante o governo Clinton, houve transferência de recursos federais para os estados investirem na ampliação e em treinamento de suas forças policiais, particularmente no incentivo ao policiamento comunitário e na modernização da gestão. 3) Acentuado desenvolvimento econômico. Também durante a era Clinton, a economia dos Estados Unidos experimentou crescimento excepcional, reduzindo-se os níveis de desemprego. 4) Notável enfraquecimento da chamada “epidemia do crack”, constatável por inúmeras pesquisas.
Há, ainda, os que alegam que a legalização do aborto e o crescimento das taxas de encarceramento contribuíram para a redução da criminalidade nos Estados Unidos, embora estudos diversos indiquem que, mesmo tendo exercido algum impacto, estas iniciativas seriam responsáveis por percentuais diminutos da queda dos índices. Alguns especialistas, por exemplo, demonstram que no Canadá, onde não houve crescimento do número de presos, os índices de criminalidade também caíram muito nos anos 1990. Por outro lado, países que não legalizaram o aborto na mesma época em que os Estados Unidos o fizeram também experimentaram quedas na criminalidade.
No caso de Nova York, particularmente, vários estudiosos têm recentemente indicado que a chamada política de tolerância zero, ou o encarceramento de um grande número de indivíduos, não teve o impacto que se imaginou. Jeffrey Fagan, professor da Columbia Law School, em Nova York, por exemplo, vem estudando o fenômeno da queda da criminalidade em sua cidade e afirma, entre outras coisas, que a criação de 250.000 novas habitações populares, ao longo dos anos 1990, contribuiu muito mais para a redução do crime do que o encarceramento de milhares de novos presos no mesmo período. Aliás, a teoria que Fagan desenvolveu acerca da queda dos índices de Nova York, baseada em conceitos de saúde pública, é menos conhecida, mas não menos interessante. Ele demonstra, em seus estudos, que Nova York conviveu com três “epidemias” de drogas ilícitas — a da heroína, no início dos anos 1970; a da cocaína, no final dos anos 1970; e a do crack, nos anos 1980 — e que as taxas de homicídios, provocados por armas de fogo, acompanham as curvas e os picos destas epidemias, revelando a mesma velocidade de crescimento e de redução de sua força. Fagan explica o que aconteceu em Nova York através da teoria do “contágio social da violência”. Derivando seus estudos de análises quantitativas (sofisticadas regressões) e qualitativas (grupos focais), o professor nova-iorquino sustenta que, nas áreas mais pobres da cidade, onde se concentram as maiores taxas de homicídios por arma de fogo (exatamente como acontece nos grandes centros urbanos no Brasil), os jovens se “contaminam” com uma cultura da violência que acompanha o crescimento do uso de determinada droga e, por conseqüência, a lucratividade do mercado que a explora. À semelhança de Luiz Eduardo Soares, no Brasil, Fagan discute o valor simbólico da arma para o jovem pobre, como instrumento, não só de defesa de seu território e de seu “negócio”, mas de validação de sua existência.
Enfim, o que importa saber é que não podemos cair na tentação das análises simplificadoras e simplistas, quando se trata de estudar como o crime aumenta ou diminui. A criminalidade é um fenômeno extremamente complexo, com múltiplas causas e, mesmo nos Estados Unidos, onde proliferam estudos bastante densos, ainda não se conseguiu, com precisão, estabelecer o peso relativo de cada uma delas.
Uma das grandes contribuições que o Pronasci (programa de segurança pública do governo federal) poderia dar, neste momento, seria apoiar estudos que pudessem ajudar a compreender o que vem acontecendo em São Paulo, para que o resto do país possa lucrar com a experiência paulista e desenvolver políticas de segurança pública mais conseqüentes.