Celas ou salas de aulas?

É impossível deixar de fazer-me esta pergunta, toda vez que aparecem na mídia números como os apontados na matéria que o Jornal do Brasil divulgou no último domingo, dia 21 de janeiro: são 220.000 presos no sistema penitenciário do país; um déficit de, aproximadamente, 60.000 vagas; homens e mulheres , em sua maioria abrigados em celas superlotadas, fétidas e insalubres, inadequadas para qualquer animal, muito menos para seres humanos. Aliás, Nigel Rodley, relator da Comissão Especial da ONU sobre a tortura, depois de visitar estabelecimentos prisionais em diversos estados brasileiros, em agosto de 2000, disse que o Brasil trata seus presos como animais violentos. Engano dele: tratamos melhor leões, tigres e ursos presos em jaulas de circo ou de zoológico do que os seres humanos despejados nas celas do nosso sistema penitenciário – a menos que eles possuam curso superior, dinheiro, poder influência e bons advogados.

O Brasil precisa construir prisões? A curto prazo, sem dúvida. O déficit atual deve ser, senão zerado, o que a curto prazo seria quase impossível, pelo menos, diminuído substancialmente. E, o que é mais importante: o Estado tem obrigação de dar condições de cumprimento de pena humanas e dignas a todos os presos, não importando sua posição social ou seu grau de escolaridade. Entretanto, numa perspectiva de médio e longo prazos, não podemos dar prioridade à construção de prisões, em detrimento da construção de escolas. E, se continuarmos a apostar apenas na repressão, como se fórmula mágica fora para inibir o crime e a violência, estaremos condenados a construir muito mais celas do que salas de aula.

É tudo muito simples: recursos públicos são sempre escassos e, mesmo em países ricos, opções devem ser feitas. Os Estados Unidos são exemplo eloquente: entre 1987 e 1998, os orçamentos dos diferentes estados norte-americanos tiveram um acréscimo de 30% para os sistemas penitenciários e reduções de 1,2% a 18,2%, na área educacional, respectivamente em educação elementar e universitária. Ora, se os investimentos em presos e prisões equivalessem a reduções proporcionais nas taxas de criminalidade, priorizar a construção de celas, em detrimento de salas de aula, talvez valesse à pena. A realidade, no entanto, parece ser outra.

Entre 1991 e 1998, as taxas de criminalidade nos Estados Unidos diminuíram sensivelmente: crimes violentos baixaram 25% e os crimes contra a propriedade tiveram uma redução de 21% . A taxa de encarceramento, no mesmo período, aumentou 47% e, aliás, continua aumentando. Os Estados Unidos, com uma população prisional de dois milhões de homens e mulheres, é o maior encarcerador do planeta. Para muitos especialistas, esses números vinham indicando que havia, definitivamente, uma relação entre taxa de encarceramento e taxa de criminalidade. Ou seja, a criminalidade estava caindo nos Estados Unidos porque cresciam os números dos que estavam atrás das grades.

Para a frustração daqueles que sempre apostaram nas políticas de endurecimento da legislação penal e do aumento do número de presos como inibidores da criminalidade, Jenni Gainsborough e Marc Mauer, do Sentencing Project, organização não-governamental baseada em Washington, acabam de demonstrar o contrário. Os pesquisadores publicaram, em setembro de 2000, amplo estudo comparativo entre taxas de encarceramento e taxas de criminalidade nos estados norte-americanos e os principais resultados do trabalho são um duro golpe para os teóricos que defendem serem os gastos com presos e prisões cost-effective, ou seja, justificam-se do ponto de vista do custo-benefício.

Os pesquisadores demonstram que, entre 1991 e 1998, os estados com os maiores acréscimos em suas taxas de encarceramento tiveram, em média, menores reduções em suas taxas de criminalidade. Um conjunto de estados, que investiu mais em presos e prisões, aumentando sua taxa de encarceramento, em média, em 72%, obteve reduções de 13% nos índices de criminalidade. Outro grupo, que aumentou o número de seus presos em 30%, viu suas taxas de criminalidade declinarem 17%.

Gainsborough e Mauer sustentam, como outros criminólogos que se vêm debruçando sobre a questão, que a redução da criminalidade nos Estados Unidos, nos últimos anos, está principalmente relacionada ao excelente desempenho da economia norte-americana durante a era Clinton; a uma alteração demográfica significativa, com a diminuição do número de jovens na faixa etária dos 15 aos 24 anos, aqueles que, proporcionalmente, cometem mais crimes; e, por último, mas não menos importante a mudanças fundamentais nas estratégias de policiamento de cidades grandes, traduzidas pelo abandono de métodos tradicionais e pelo investimento em estratégias altamente profissionais de gerenciamento e controle, com atenção para o policiamento comunitário.

Nelson Mandela já disse que se conhece um país pelo modo como seus presos são tratados. O descaso com que o Brasil trata seus homens e mulheres privados da liberdade precisa mudar, e mudar rápido. É um grande equívoco, entretanto, pensar que simplesmente jogando mais gente atrás das grades, viveremos com mais segurança.

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