Como salvar o plano?

Faltam prioridades. Faltam metas quantificadas. Falta cronograma. Faltam critérios para o desembolso de recursos e para a avaliação do desempenho dos estados. Falta dizer qual a política para a área. Falta tudo isto ao Plano Nacional de Segurança Pública lançado em 20 de junho pelo governo federal. Não obstante, o Plano é a primeira tentativa de um governo federal de enfrentar o seríssimo problema do crime e da violência no Brasil Ele precisa ser melhorado, mas não abandonado. O que fazer?

No último dia 24 de agosto, o CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes/RJ), em parceria com o ILANUD (Instituto Latinoamericano das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente/SP) e o CRISP (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/UFMG), coordenaram a primeira reunião do Fórum Nacional contra a Violência, com a participação de especialistas, parlamentares, representantes de órgãos governamentais e entidades não-governamentais. O objetivo do Fórum, que realizará encontros a cada dois meses, é acompanhar a implementação do Plano Nacional de Segurança Pública. A conclusão a que se chegou já foi encaminhada ao Ministro da Justiça, José Gregori, e merece ser conhecida pela população.

Em primeiro lugar, julgou-se que o Plano é promissor porque o governo federal assume, claramente, que também é sua a responsabilidade de enfrentar o gravíssimo quadro de violência urbana e rural no país. É também positivo porque, permanecendo na órbita do Ministério da Justiça, fica claro que o governo federal reconhece ser a segurança pública uma questão de caráter civil, radicalmente distinta dos assuntos de segurança nacional, e como tal deve ser tratada.

Por outro lado, considerou-se o Plano Nacional de Segurança Pública muitíssimo preocupante por inúmeras razões. Antes de mais nada, faltam prioridades. O Plano é um conjunto de 124 medidas, organizadas em genéricos compromissos, colocadas exatamente no mesmo patamar. Ora, não ter prioridades é não ter política. Hierarquizar é preciso, assim como é preciso admitir que uma parcela considerável das medidas propostas já faz parte das obrigações constitucionais dos governos federal e estaduais.
Ademais, não há estabelecimento de metas, de cronograma de desembolso, ou de critérios que definam a forma de financiamento dos projetos e o montante de recursos alocados a cada um deles.

Um possível modelo a ser seguido para a distribuição dos recursos é aquele utilizado pelo Departamento de Justiça norteamericano, que estabelece mecanismos associados a dispositivos legais para restringir a discricionaridade na alocação dos fundos, limitando seu uso político e garantindo que os recursos, que são escassos, serão aplicados nos melhores projetos e com lisura.

O primeiro critério, o da proporção anual, pode estabelecer, por exemplo, que um determinado percentual dos recursos seja aplicado em pesquisa criminológica e na construção de uma base de dados nacional sobre criminalidade e violência, hoje inexistente no país. A face mais visível da ausência de informações qualificadas sobre segurança pública traduz-se, justamente, na generalidade das metas e objetivos do Plano.
Outro critério, de elegibilidade, possibilita incentivar a aplicação nos estados de programas definidos como prioritários e como parte de uma política nacional de segurança pública. Por exemplo, investimentos para reaparelhamento das polícias serão concedidos aos estados que invistam em Ouvidorias de Polícia e policiamento comunitário.
O critério da fórmula estabelece preferências para algumas regiões com base na situação epidemiológica e criminológica local, definindo, por exemplo, que fundos para reduzir homicídios devem direcionar-se às áreas com maior incidência desse tipo de crime.
Finalmente, de acordo com um modelo competitivo, os projetos apresentados pelos estados e municípios deveriam ser avaliados por uma comissão de especialistas e deveriam seguir regras e critérios mínimos, padronizados, para tornar possível a comparação entre eles. É preciso, portanto, que o governo federal estabeleça uma comissão avaliadora e que esta, em conjunto com o Ministério da Justiça, cuide das questões elencadas.

Além da necessidade de incorporar parâmetros técnicos como os acima exemplificados, nunca é demais lembrar que nenhum plano que pretenda reduzir a criminalidade e a violência terá sucesso se descuidar dos investimentos na área social. Reprimir é preciso, muito mais importante e difícil é prevenir de modo eficiente. Sem recursos substantivos para programas de renda mínima, de bolsa escola, de crédito fácil para pessoas pobres iniciarem pequenos negócios e de capacitação profissional para a população de baixa renda, principalmente de jovens sem oportunidades de inserção no mercado de trabalho, continuaremos convivendo com altos índices de violência e criminalidade, a despeito de todos os esforços na área da repressão.

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