Barbara Soares a Catharina Epprecht, sobre mulheres presas

Pesquisa traça perfil das criminosas

Barbara Soares ouviu população carcerária feminina

 

Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz começaram, em 1999, uma pesquisa, pela Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania, para conhecer a população carcerária feminina. Em março de 2000, depois de uma crise política que culminou com a demissão de Luiz Eduardo Soares, na época seu marido, a subsecretaria foi extinta. Mas a pesquisa foi concluída com apoio do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes, e da Fundação Ford. O resultado do trabalho está em Prisioneiras: vida e violência atrás das grades (Garamond, 150 páginas). Em entrevista ao JB, Bárbara fala sobre a pesquisa e não se furta de comentar o pedido de demissão de Luiz Eduardo Soares da Secretaria Nacional de Segurança Pública, depois que foi acusado de nepotismo, por contratá-la e também a atual mulher, Miriam Azambuja Guindani.

 

– Como e por que foi feita a pesquisa que originou o livro?

– O objetivo era conhecer o perfil das presas. Saber quem eram as mulheres que estavam encarceradas e quais as dinâmicas criminais que as tinham levado à prisão. Fizemos praticamente um censo penitenciário feminino, com questionário padronizado e exclusivamente voltado para a população carcerária.

 

– Há três anos, segundo a pesquisa, havia, no Rio de Janeiro 16.257 homens em penitenciárias, contra apenas 633 mulheres. Há alguma explicação para a diferença dos números entre homens e mulheres nas prisões ser tão grande?

– Essa é a pergunta que atravessa o nosso trabalho e cuja resposta não parece óbvia: qual a explicação para o fato de a participação nas estatísticas criminais se manter relativamente estável, desde o início do século passado, a despeito das mudanças radicais vividas pelas mulheres desde então?

 

– Houve resistências do governo do Estado em relação ao projeto?

– Pelo contrário. A Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania tinha todo o interesse nele. No que diz respeito às outras instâncias da Secretaria de Segurança, também não seria correto dizer que a pesquisa sofreu resistências, naquele momento. Porém, não tivemos nenhum suporte, o que nos impôs condições de trabalho de campo pouco favoráveis e nos exigiu soluções criativas, como formar uma equipe de entrevistadores exclusivamente composta de estagiários. A interrupção do projeto se deu justamente quando toda a equipe da Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania se demitiu, em março de 2000, quando o subsecretário foi exonerado e a subsecretaria imediatamente extinta.

 

– Houve resistência dos diretores de presídios?

– Houve dificuldades, mas também cooperação e apoio em várias unidades. Dificuldades de acesso de pesquisadores às informações do sistema de Justiça Criminal ocorreram, é verdade, em várias instituições e ocasiões. Elas são sintomas de problemas variados, mas nesse caso, em particular, acredito que, quando ocorreram, expressavam uma certa falta de compreensão sobre a importância da produção de conhecimento.

 

– A pesquisa parece apontar que a droga está altamente vinculada à prisão feminina. Você conhece pesquisas sobre as mulheres no tráfico?

– Não. Na nossa pesquisa, observamos que elas ocupavam, em sua maioria, funções subalternas nos crimes praticados coletivamente, como tráfico e sequestro. No caso do tráfico, 78% das mulheres, quando foram presas por esse delito, encontravam-se em posições subsidiárias no esquema de venda de drogas ou, segundo elas, foram pegas por estarem na companhia de alguém que foi incriminado.

 

– Os casos de depressão entre as internas é uma característica das prisões cariocas ou o problema é similar em outros lugares?

– Não é muito difícil imaginar que, em algum lugar do mundo, mulheres presas, aguardando a sentença ou cumprindo pena, apresentem variadas formas de sofrimento psíquico. Tanto pelo fato de estarem presas e pelas condições em que se encontram, quanto pelos motivos que antecederam ou motivaram a prisão. No caso do Rio de Janeiro, 33% das entrevistadas se reconheceram como portadoras de problemas de cabeça ou doença dos-nervos. Sabemos que as condições de atendimento médico e, sobretudo, psicológico, são precárias, quando existem. Cerca de 95% das mulheres encarceradas se disseram vítimas de violência em algum momento de suas vidas: na infância, no casamento ou nas mãos da polícia. Por volta de 35%, ou seja, um terço da população carcerária feminina, tinham sofrido violência nas três situações.

 

– O resultado de reclamações de maus-tratos já era esperado?

– As reclamações sobre maus-tratos, sobretudo por parte das polícias Civil e Militar, eram, lamentavelmente, esperadas, mas não nas proporções em que foram relatadas. Levantamos que 68% das presas mencionaram agressões graves e variadas, como espancamento, choque elétrico, abuso sexual, ameaças de morte, humilhações e afogamento em delegacias policiais e em unidades da PM.

 

– A experiência com creche de uma penitenciária parece ter sido dramática.

– É muito triste ver bebês e crianças pequenas em berços enfileirados e rodeados por moscas, embora seja valiosa essa chance de convivência das mães com seus filhos e filhas em fase
de aleitamento.

 

– Os pesquisadores tambem relacionaram informações sobre o uso regular do medicamento haldol nas pacientes dos manicômios judiciários. Há um excesso de medicação?

– Relatos dramáticos de histórias de muito sofrimento e violência foram ouvidos e registrados nos manicômios judiciários. Uma das cenas que deixou forte impressão entre os pesquisadores foi exatamente a de uma interna sendo levada, sob protestos, para receber a medicação. Mas não temos elementos nem competência técnica, e tampouco era esse nosso
objetivo, para apreciar a adequação do uso dos medicamentos ou das dosagens utilizadas.

 

– Na época da pesquisa, o Departamento de sistema Penitenciário e a vara de execuções penais não tinham dados suficiente e vocês tiveram de colher os próprios dados e cruzar informações. A falta de recursos nos presídios também era evidente. Há pouca atenção para a população carcerária do Rio de Janeiro?

– O problema não é relativo apenas à população carcerária ou ao Rio de Janeiro. No Brasil, nas áreas de Justiça e Seguranca, ainda é rudimentar a produção de dados e sua utilização como base para políticas públicas. As lacunas são ainda maiores quando se trata de dados sobre mulheres. Por isso nos voltamos para a população carcerária feminina. Hoje, estamos produzindo, por exemplo, no Cesec, a primeira base de dados nacional sobre o perfil de policiais militares brasileiros com recorte de gênero. Isso está exigindo de muitas polícias estaduais um esforço adicional, uma vez que os dados não são, normalmente, desagregados por sexo.

 

– Que tipo de investimentos diminuiriam os índices de violência ?

– Investimentos não só em recursos materiais, mas em valorização profissional, em racionalização de políticas de segurança, em gestão do conhecimento, em perícia, em controle externo das polícias, em medidas preventivas e na articulação sistêmica das ações.

 

– O que pode ser feito hoje para melhorar a situação da população carcerária feminina?

– Tudo. A começar pelo que a lei prevê: trabalho, educação e atendimento de saúde adequado.

 

– E já que se fala de política de segurança, é inevitável perguntar sobre a saída de Luiz Eduardo Soares do governo, por causa da acusação de nepotismo, que envolveu seu nome e o da atual mulher dele, Miriam Guindani.

– A forma como os fatos foram noticiados em diversos veículos expressa um artifício pernicioso para produzir destruição de reputações. Para criar um ambiente de suspeição, consultorias prestadas por Miriam e por mim foram noticiadas como se houvessem sido ocultadas (quando foram formalizadas publicamente com toda a transparência) e como se fossem empregos dados a familiares. Por outro lado, houve silêncios inexplicáveis sobre o que de fato deveria ser notícia, como a prática de produzir dossiês, contendo acusações evidentemente falsas e facilmente desmascaráveis.A esta altura, todos já devem ter se dado conta de que a versão do nepotismo funcionou como cortina de fumaça para ocultar os verdadeiros motivos da demissão de Luiz Eduardo. Lamentavelmente, boa parte da mídia limitou-se a difundir a versão que interessava ao poder e não se preocupou em investigar o que estava por trás dela.

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