Julita Lemgruber a Barbara Gancia, sobre aborto e criminalidade

A dama e o Minúnculo

Por que será que a grande maioria dos moradores de comunidades populares não entra para o crime?

 

POUCAS VEZES fui tratada com tamanha cordialidade. Na semana passada, comentei terem sido um tanto genéricas as críticas de Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, sobre as polêmicas declarações de Sérgio Cabral ligando o aborto ao crime. Em vez de escrever ao Painel do Leitor ou à direção do jornal para me atacar ou questionar minha credibilidade, como acontece em 99% dos casos, a doutora escreveu-me um longo e sereno e-mail com seu ponto de vista. Respondi agradecendo a deferência, e a partir daí nasceu um diálogo que virou o pingue-pongue que você lerá a seguir.

Veja como são as coisas. Pela dra. Julita, eu fui tratada com o profissionalismo de quem se interessa mais em debater os problemas do país do que em perder tempo com proselitismo político. Mas por um ex-patrão, de quem sempre me considerei amiga, fui desancada publicamente. A fim de atacar a Folha, um velho cacoete seu, Mino Carta (a quem doravante chamarei carinhosamente de Minúnculo) descontextualizou em seu blog o que eu disse sobre pobreza e criminalidade, para deleite do número cada vez menor de robespierres de havaianas que o lêem. É tão mais fácil transformar tudo em bate-boca ideológico, não é mesmo? Mas voltemos ao que interessa, a conversa com a doutora Julita:

 

FOLHA – O que há de errado com o estudo de Stephen Levitt, que liga a legalização do aborto ao crime?

JULITA LEMGRUBER – O estudo de Levitt é preconceituoso, na medida em que pressupõe que filhos de pobres necessariamente cresçam para ser marginais. Mas, verdade seja dita, Levitt nunca defendeu a legalização do aborto como política de segurança pública.

Em geral, os críticos de Levitt lembram que ele deixou de dar a devida importância ao enorme impacto da redução no uso do crack nos anos 90, à implantação de programas de prevenção da violência e à revolução gerencial nas polícias em muitas cidades americanas, ou mesmo os ventos favoráveis da economia como variáveis determinantes para a redução do número de crimes.

 

FOLHA – Mesmo discordando de Cabral, ele teve o mérito de trazer à tona o debate sobre o aborto. A senhora é favorável à legalização?

LEMGRUBER – Nada contra a legalização das drogas e do aborto. A guerra contra as drogas já se mostrou uma guerra perdida. Quanto ao aborto, só a hipocrisia e um falso moralismo continuam a impedir que as mulheres pobres tenham acesso a uma forma segura de interromper a gravidez.

 

FOLHA – Um indivíduo sem estrutura familiar, sem educação, que não recebeu afeto e não dispõe de condições mínimas de higiene não terá mais chances de se tornar violento?

LEMGRUBER – Aqui, minha cara Barbara, tomo a liberdade de responder com outras perguntas. Pobreza gera promiscuidade? Pobreza gera violência? Por que algumas favelas do Rio são mais violentas do que outras? E por que será que a grande maioria das pessoas pobres, moradoras de comunidades populares, não entra para o crime?

Finalmente, como explicar que jovens de classe média – cujas mães teriam acesso a clínicas de aborto -andem por aí espancando empregadas domésticas, trafiquem drogas ou usem seus carrões e motos como armas mortíferas? Não será preciso refletirmos um pouco mais cuidadosamente sobre esses temas?

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