RJ gastou R$ 8 milhões com presos provisórios por tráfico em 2013

De acordo com pesquisa, apenas 45% dos réus foram condenados a prisão. Número de presos aguardando julgamento é excessivo, revela levantamento

A prisão provisória de presos em flagrante por tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro e que, posteriormente, foram absolvidos ou não receberam pena restritiva de liberdade durante julgamento, em 2013, custou ao contribuinte R$ 8 milhões, segundo pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec), divulgada neste sábado (14).

O levantamento identificou que um número há um número excessivo de pessoas que permanecem presas enquanto aguardam julgamento. Dos 1.330 réus presos por tráfico de drogas em 2013, pelo menos 671 pessoas que não receberam uma pena de prisão ao final do processo ficaram privada da liberdade por, em média, 221 dias (aproximadamente sete meses).

“A pesquisa mostra que 55% dos presos provisórios acusados do tráfico de drogas no Rio de Janeiro acabaram não sendo condenados a uma pena privativa de liberdade. Quer dizer que essas pessoas ficaram presas de forma indevida e no final custaram um valor considerável ao contribuinte. Isso é alguma coisa que deve nos preocupar. Esses recursos poderiam estar sendo utilizados, por exemplo, para aumentar o número de alunos na rede pública”, afirmou Julita Lemgruber, coordenadora da pesquisa.

Segundo o levantamento, 45% dos presos receberam pena de prisão, outros 22% receberam pena restritiva de direitos, 20% foram absolvidos, 3% tiveram o processo suspenso e outros 10% tiveram outros desfechos. Apesar dos traficantes serem considerados pessoas perigosas para a sociedade, de acordo com a pesquisa, dos 242 presos em flagrante por tráfico de drogas em 2013, 80,6% era réus primários, 84,7% foram presos em via pública, 72,7% estavam sozinhos e 92,5% não portavam arma de fogo.

Três presidiários fugiram do Complexo Penitenciário de Gericinó; um foi recapturado (Foto: Reprodução/ TV Globo)

Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu.

(Foto: Reprodução/ TV Globo)

Além desses dados, outra indicativo que chamou atenção na pesquisa é que 85,5% dos presos deste grupo não portavam, no momento da prisão, nenhum outro objeto indicativo de tráfico de drogas, – como prensas, balanças e material para embalagem, além da própria droga – e 68,6% dos detidos estavam com menos de 50 gramas de drogas no momento da prisão. De acordo com o Cesec, em 2010, o Supremo Tribunal Federal considerou 480 gramas de maconha uma quantidade compatível com estoque para consumo próprio. Em 2013, um juiz do Rio condenou um réu preso com 1,9 grama da mesma droga.

Para o juiz Rubens Casara, titular da 43ª Vara Criminal da Capital, toda vez que um assunto não é tratado de maneira exaustiva na lei, há brechas que dão margem a interpretações autoritárias. “O grande problema é de interpretação. Há uma tendência no Brasil a uma interpretação autoritária. Na dúvida, o intérprete tende a entender que a pessoa que estava com droga é um traficante”, ressaltou.

Sentenças baseadas em depoimento

A súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio, que permite fundamentar sentenças judiciais baseadas única e exclusivamente no depoimento de policiais, também seria uma das responsáveis pela arbitrariedade na decisão de quem é traficante ou usuário de drogas.

“A maior parte dos presos, quase 90%, a única testemunha de acusação é o policial militar que o prendeu. Noventa e cinco por cento desses presos foram presos em flagrante e a única testemunha de acusação é o policial militar e, em geral, essas pessoas são condenadas apenas com o testemunho desse PM. Essa súmula 70, do ponto de vista constitucional, é uma ilegalidade e precisa ser revogada”, afirmou.

Segundo Casara, a súmula 70 é um texto e, como qualquer texto, pode ser interpretado de diversas maneiras. “Os atores jurídicos estão tão inseridos numa tradição autoritária que eles interpretam essa sumula numa presunção de veracidade do que falam os policias. Nas democracias a única presunção de veracidade é a presunção de inocência. Não há motivo para considerar que a depoimento de um policial é mais importante do que o de qualquer outra testemunha”, garantiu o magistrado.

De acordo com a pesquisa, a análise detalhada dos processos de 242 réus revelou falhas na garantia de defesa dos presos. No momento em que o auto de flagrante foi lavrado na delegacia, 97% dos réus não possuíam nenhum advogado ou defensor público a sua disposição.

Carros da PM chegaram a presídio em Niterói por volta das 18h (Foto: Marcelo Elizardo/G1)

“O que a gente percebeu também é que a maior parte desses presos vai se encontrar pela primeira vez com o defensor, na média, 50 dias após a sua prisão. Isso também é inconstitucional. Essa pesquisa, na verdade, mostra não só uma série de contradições, mas uma série de ilegalidades, que acabam por provocar esse resultado. O Rio de Janeiro tem uma número enorme de presos provisórios e grande parte deles, na verdade, está preso de forma indevida.”

Segundo Julita, uma alternativa para diminuir o número de prisões provisórias tão longas e desnecessárias são as audiências de custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares.

Os dados da pesquisa levaram em conta a análise as situação jurídica de todos os 1.330 presos em flagrante por tráfico de drogas em 2013 na cidade do Rio de Janeiro, com processo concluído até março de 2015, com um estudo mais detalhado de 242 réus e a análise qualitativa de 88 sentenças judiciais referentes a esses réus.

Outro dado considerado perigoso pelos estudiosos que realizaram a pesquisa é o fato do juiz poder levar em consideração as circunstâncias pessoais na hora de dar a sentença. “Claramente a representação de negros na população carcerária é uma indicação de que a gente tem um foco em cima de um perfil muito particular da população. É o negro, é o pobre, é o favelado que vai preso. E, principalmente no caso de tráfico de drogas, claramente a legislação é uma legislação que criminaliza a pobreza. Ela dá brecha ao juiz para ele condenar por tráfico um menino pobre, negro, da favela. E vai ser diferente um tratamento com um menino branco de outras áreas da cidade”, criticou Julita. Das pessoas presas no Rio de Janeiro, 71% delas são negras, sendo que apenas 51% da população fluminense se declara negra.

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